Avançar para o conteúdo principal
Fernando Rocha[1]


Quando, em 2009, Fernando Rocha convidou-me para ser o candidato, pelo Bloco de Esquerda, à presidência da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, o fez com a plena convicção de que seria muito difícil arranhar sequer o verniz com que a Direita cobria todo o concelho caldense. Sem nos preocuparmos com isso, de cabeça erguida, juntamos um excelente grupo de trabalho que, a par do PSD, conseguiu concorrer a todas as freguesias. O resultado, para o Bloco de Esquerda, foi histórico. Apesar de perder a Câmara Municipal, conseguiu eleger diversos camaradas e, entre eles, o próprio Fernando Rocha (para a Assembleia Municipal).


O povo vota por conveniência. Há muito que não o faz por ideologia. E o concelho caldense vive pela Direita e para a Direita, por interesses muito particulares. Será muito difícil, sem a união de todos os partidos de Esquerda, criar condições para mudar o rumo político da cidade (hoje uma pálida sombra da majestosa Caldas da Rainha de outras épocas. Culpa de uma política de Direita, sem um projeto político coerente para com as necessidades da própria urbe).


O Fernando Rocha foi sempre um exemplo de dignidade e honestidade. Nunca, em momento algum, as nossas ideias colidiram. Ambos de Esquerda - ele mais radical do que eu - sempre propugnamos por um projeto político pautado na Cultura e na Educação. Foi um lutador incansável, um humanista nato, um idealista dos maiores e um visionário. Morreu cedo demais, como morrem os que logram alguma coisa dizer. Possuo uma dívida de gratidão política para com ele, meu amigo sincero, que me fará falta no conselho acertado, na busca da justiça, no semear de altos e raros valores.


O meu amigo Fanana, ou Xexéu, parecia ter saído das Cenas da vida boémia, de Murger. Acompanhado no dia-a-dia pela trilha sonora de Giacomo Puccini, possuía uma dimensão atemporal, profunda, conseguindo unir os seus ideais às necessidades de sua região (pena que poucos o ouviram). A política, a arte e o insuportável cigarro eram os seus vícios. Suas fronteiras boémias casavam-se com as de Balzac, Modigliani, Rimbaud e Baudelaire, tendo ascendência direta em desejos de transformações, principalmente as sociais. O seu mundo era intenso e criativo, diria até: explosivo. Sempre com o fito de deixar para os outros um planeta melhor. A sua crença era a esperança, a benevolência a sua ventura, aquém da sina, mas além do Destino!


As suas utopias eram sãs, enraizadas na noção de civilização ideal, embaladas por um extenso projeto humanista com base num sistema social justo e perfeito, equilibrado e coerente. Tendo como um de seus mitos, o escritor Thomas Morus, o meu amigo Fanana desejava o tal lugar novo e puro, ocupado por uma sociedade irrepreensível (os Utopianos), conjeturando então o mais puro dos socialismos, aquele que não se pratica em nenhum ponto do globo terrestre, embasado por um imenso empenho ideólogo e funcional de racionalidade.


Despedir-me do Fernando Rocha, o infatigável e irreverente Fanana, ou Xexéu, é uma tarefa difícil. Que a Imortalidade seja sua companheira!


[1] Fernando António da Costa Rocha (*Caldas da Rainha, 12 de outubro de 1947 + Caldas da Rainha, 23 de fevereiro de 2015).

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o