Avançar para o conteúdo principal

Arena Romana nas Caldas da Rainha



Toda a vez que ouço um aficionado das touradas destilar frases de efeito, anunciando que “aquilo” é cultura, ponho-me a pensar num excelente projeto que poder-se-ia executar nas Caldas da Rainha: Construir-se uma Arena Romana.

Naturalmente seria um plano muito interessante do ponto de vista “cultural”.

As Arenas Romanas estão na história devido à inexorável caçada suportada pelos cristãos primitivos. Praticamente a mesma coisa que acontece com os touros numa praça.

São muito conhecidas as crónicas sobre as catervas de animais impetuosos que eram lançados sobre os fiéis indefesos, algo muito semelhante com o que se vê nas liças tauromáquicas.

Um touro a mais ou a menos para os aficionados é, praticamente, igual ao sentimento romano: Um cristão a mais ou a menos pouco importa. O que vale é a festa; a boa disposição de quem está nas arquibancadas; as fortunas envolvidas, representando lucros fenomenais para alguns; a bandinha de música, orientada por um maestro bêbado e bonacheirão; e o regozijo incondicional que o sangue nos corpos, e no chão, trazem ao populacho, uma plateia nitidamente sanguinária, que sente prazer quando bebe da desgraça alheia.

Tanto na praça de touros quanto na Arena Romana, sem dúvida, temos uma inacreditável demonstração de extrema “cultura”, pois são atividades “artísticas” idênticas, só mudando o corpo flagelado.

Naqueles dois recintos, tudo o que antecede ao martírio é pensado ao mínimo detalhe, sim, porque isto de fazer mal a outros tem um quê de destreza e planeamento. Para o leão cravar a sua bocarra no indivíduo, ou o toureiro os seus instrumentos de tortura e morte no touro, muito caminho foi já percorrido. Muito suplício psicológico foi preparado, muito ódio foi destilado, muita irracionalidade foi suporte da ação futura. Tudo o que pode “melhorar o espetáculo” é estudado ao pormenor, desde as cores detestadas pelos animais, até às palavras que os podem instigar ao ataque. Os cristãos chegavam a ter o corpo esfregado com carne crua, para ficarem mais apetecíveis e, por sua vez, os leões eram fustigados com chicotes e a sua pele trespassada com ganchos, para levantar-lhes a fúria.

O touro possui uma peculiaridade: É herbívoro. Não é um predador. Se ataca é porque sente medo, porque está acuado. Sofre um processo de encarceramento no percurso do campo à praça, é picado e espancado violentamente, para que se enfureça. Os seus cornos são cortados a sangue frio, são privados de água e comida, são-lhe administradas drogas e laxantes, enfraquecendo-o mais ainda. Quando o largam na arena, é natural que desate a correr e salte para as arquibancadas, num ato refletido de pânico, para tentar fugir do recinto e da tortura a que foi submetido durante horas. Quando os violentos arpões são enterrados em suas costas, inevitavelmente, a dor é imensa e a perda de sangue incalculável. Quando (o que sobrevive à lide na praça) é levado para os curros, esses mesmos arpões são arrancados a sangue frio, deixando, depois, o animal abandonado à sua sorte, durante, aproximadamente, dois dias, até ser despejado num matadouro, para o desfecho final.

Deixo aqui um pedido à Câmara Municipal das Caldas da Rainha: Construa uma Arena Romana. Assim, podemos divertir-nos à grande (como acontece com os aficionados pela tourada), pois a tortura, o sofrimento, e a morte de um animal, seja de que espécie for, nada representa, sendo unicamente uma expressão “artística”, um extravasar “cultural”.

Já agora, e no embalo de tanta emoção “cultural”, peço à população caldense que inicie um grande movimento nas redes sociais, com a abertura da página: Arena Romana JÁ! A sua fotografia identitária pode ser a imagem de um leão a devorar um ser humano. Deliciosamente “cultural”.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o