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Um jardim para Carolina




Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava.

O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos.

E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon, um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia, que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza.

Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhavamos um pensamento aristotélico, que passava pela compreensão do Summum bonum, esse bem maior que tanto buscaste, que tanto querias alcançar, e que tanto poderia estar no alto de uma montanha, como bem junto ao coração. No teu caso, esteve sempre em ti, à flor do peito, e na frase, no gesto, no ato, no saber estar dos Justos. Eras um deles. Plantaste sementes com o coração. As mãos, para ti, serviam apenas para transportar livros e escrever.

Espírito antigo. Daqueles que Kardec (1804-1869), provável e emotivamente, diria ser originário do início das Eras, e que tinha vindo ao mundo para encher de Luz os tristes e penumbrosos caminhos da Terra. Curiosamente, assim como esse enorme estudioso, também me parecias uma Racionalista, pois, tão bem fazias o uso complexo da Razão. Pecavas apenas pelo excesso de impaciência, e ficavas acabrunhada demais quando alguém não acompanhava o teu raciocínio. Repito aqui o que uma vez te escrevi: Calma, descontração e paciência, misturadas às palavras certas, com certeza, conseguirão mover a montanha. Não sendo necessário usar a força. E assim o fizeste por diversas vezes, deslocando a colossal serrania apenas com o impulso do vocábulo.

Gostaria – muito – que o nosso tempo te recordasse e que a síntese do teu espírito por aqui permanecesse, para ajudar a clarificar as pequenas mentes.

Em tudo o que subsistia à tua volta residia o estado permanente de Justiça, cercavas-te dela, apontando caminhos e decodificando partículas da existência de todos nós, para o bem comum. Galvanizaste emoções em torno do Amor Criador, da recapitulação da origem das coisas e do cultivo do genoma que deu berço ao Deus-Amor.

Um dia, em outro escrito simples e objetivo, perguntaste-me que autores deverias ler. A minha resposta também foi a mais elementar e direta possível: Os gregos, e todos aqueles que construíram o pensamento humano, baseados na Verdade, na Emoção e no Amor! Literatura para nós é sacerdócio, e a nossa religião é a Arte.

O que posso dizer agora - através desta distância material - a ti, que estás no etéreo, no ponto mais notável e fulgurante destes Multiversos que nos amparam? Olha para nós de vez em quando! Tenta com setas espirituais avisar-nos quais os melhores caminhos, aqueles que podem dar consistência à alma humana, para que o Amor seja mais forte, e profundo, que a Dor.

O imenso Teilhard de Chardin (1881-1955) deixou-nos a resposta a todos os nossos anseios: “Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.”

A minha humanidade diz-me que a cidade de Praga deixou de ter interesse, passou a ser um ponto negro no mapa-múndi, um local a não visitar.

A minha espiritualidade quer oferecer-te um jardim de rosas brancas e violetas azuis, para que seja possível, entre raios de sol e bom humor, caminhar a teu lado, respirando aromas telúricos, enquanto ouvimos os acordes, em progressão harmónica, da tua genialidade.

Comentários

Unknown disse…
Lindo Texto! Obrigada Rui, Beijinhos.
Linda homenagem caro Rui Calisto! E belíssimo texto. Muito obrigada pela partilha. Beijinhos
LuzCouto disse…
“Revolucionária e Doce”... exatamente os termos que me ocorreram ao tentar descrever a Carolina, menina que conheci cedo na sua inquieta existência (ainda na primária). Hoje, ao ler este maravilhoso, delicado e sentido descrito acerca da “minha” doce Carolina, cuja partida me arrebatou sentimentos muito dolorosos, - pese embora pertença noutro lugar - a minha dor voltou a crescer dentro do meu peito. Mas, fico muito grata por poder ler tão sábias e belas palavras. E, faço votos para que as evocações descritas se tornem realidade... não terá sido em vão... emana a tua Luz, Carolina!
Unknown disse…
Fiquei com pena (pelo que dizem) de não ter conhecido a pessoa (Carolina) mas acho a dedicatória muito linda e muito bem conseguida e desejo que a luz e o brilho do espírito da Carolina possam continuar a emanar do Astral para encaminhar os perdidos e iluminar todos os que necessitam de reencontrar o caminho. Paz, amor e muita luz a todos os espíritos físicos e etéreos. Namaste

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