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A mostrar mensagens de março, 2020

Entre o silêncio e a meditação

Depois de algum tempo, decidi sair de casa. Arriscar-me, para contrair ideias para o romance em calha. Um passeio breve, sempre a fugir das pessoas que não encontrei. Durante todo o percurso vi pássaros, voltaram à cidade. Bandos, que haviam desaparecido por causa do ser, pouco humano, que se move desengonçadamente pelo planeta, causando estragos e trazendo desequilíbrios. Dois pavões cumprimentaram-me numa rua, ao abrirem, em leque, a sua matizada cauda. O que me fez pensar em atravessar um parque próximo. Surpreendentemente havia silêncio, pois as bocas barulhentas não subsistiam por ali. Ouvi mais passarinhos. Vi espécies que julgava extintas. Suas asas batiam ventos de uma harmonia impensada. Sorri. Vi ratos, um esquilo a subir no tronco de uma árvore, patos e gansos. Ouvi contrapontos, emitidos por uma bicharada insanamente bela. Nada abafou o som do meu deambular. Não sei se aprofundei a minha bhavana , ou o meu desenvolvimento mental. O que sei é que

Um pitoresco sendeiro de Olaias

No século XIX existiu, em A-da-Gorda, Óbidos, uma vereda inteiramente arborizada com garbosas Olaias (Cercis Siliquastrum), todas plantadas pelo meu bisavô Francisco Calisto, a ladear a rua de terra batida que ligava as suas chãs de plantio e a casa de sua futura esposa, Cecília de Paulo. Quando Francisco era menino, os seus pais, Joaquim Calisto e Maria Clara, adquiriram aquelas terras e, a partir desse ato, todos os dias, de carroça, faziam o percurso entre essa aldeia e o íntimo da Vila de Óbidos, onde residiam. Já acostumado ao lugar, o rapazola, quando não tinha aulas com o Mestre-escola, passava dias inteiros a desbravar a região. Era um petiz de paixões, entre estas, a de organizar molhos de variadas flores, para as entregar à mocinha dos seus amores. Tantas vezes o fez que, um dia, prometeu-lhe: “Se casares comigo, começo hoje a compor um caminho de Olaias entre a tua casa e as minhas terras”. Cecília, uma jovem muito bonita, com expressivos olhos azuis e ca

Rua do Cosme Velho, nº 18

Aproximei-me da casa. Não havia grande movimento, apenas alguns transeuntes de um e do outro lado da artéria. No ano passado fui à inauguração do restaurante Bar Brasil, na Avenida Mem de Sá, na Lapa, foi lá que me disseram que o Bruxo estava doente. Este início de século XX é curioso. O Rio de Janeiro respira profundas modificações. Pereira Passos deseja fazê-la coirmã de Paris, em imagens de riqueza urbanística. A Belle Époque instala-se, os grandes Poetas ribombam, sendo aplaudidos quando surgem nas ruas. Existe uma febre confessional em torno de Bilac, Coelho Netto, Martins Fontes, Emílio de Menezes, Goulart de Andrade, entre outros. Salvo situações especiais, devido a impedimentos profissionais, os grandes nomes ainda se encontram, todas as tardes, na Colombo. O centro da cidade patenteia um ar de frescor que não imaginei ser possível. Laranjeiras mantém-se igual a si. Parece que as próprias pedras das ruas teimam em não envelhecer. Já aqui não vinha há

Igreja de São Tiago

Localizada dentro das Muralhas da Vila de Óbidos, na Cerca Velha, esta igreja foi construída no ano de 1186, por expressa ordem do Rei D. Sancho I (1154-1211). É de estilo Barroco e Neoclássico, tendo, na sua origem, três naves, com o pórtico principal orientado a Oeste. A sua edificação foi imposta por aquele monarca, para que a família real tivesse, aquando da sua estadia na região, um local para as suas orações. Com o passar das centúrias, foi tendo o privilégio de receber inúmeras e riquíssimas obras de arte. Neste ponto podemos destacar a “Galeria da Rainha”, uma escultura de talha em estilo gótico, escola que floresceu na Idade Média, entre os séculos XII e XVI, sendo originária da cultura dos Godos, povos que eram tidos como bárbaros e alegados culpados pelo desaparecimento do Império Romano. Em Portugal, foi somente por volta do ano de 1250, século XIII, portanto, que esse estilo teve início. Uma das peças artísticas de maior valor, no interior da Igreja, era a

Capela-Panteão de São Martinho

Enquanto escrevo as primeiras linhas deste artigo, o sol inicia a sua caminhada para longe do meu horizonte, uma taça de vinho reluz na aurora da mesa, e Chet Baker (1929-1988) esvoaça por sobre os lírios da minha imaginação, enchendo o ambiente de acordes. Essa citada flor traz, à minha memória, a Capela-Panteão de São Martinho. Num tempo já distante, entre os anos de 1320 e 1331, Pero Fernandes do Rêgo (séc. XIV), prior da Igreja de Santiago (Torres Vedras), beneficiado da Igreja de Santa Maria Maior (Sé de Lisboa), e vigário da Igreja da Lourinhã, manda construir, e inaugura, essa Capela gótico-tumular no Largo de São Pedro, em Óbidos. O monumento - edificado com o privilégio de conter a sua frontaria voltada a Levante - possui o empeno anguloso, encimado por despretensiosa Cruz cristã, limitado por sólidas arestas, dispondo de um portal descentralizado do frontispício, e contendo o filete de apoio do beirado do telhado sustentado em modilhões superficialmente ne

A Quinta do Furadouro

Lembro-me de ir com o meu avô Manuel Calisto (1909-2000) até esta simbólica e soalheira chácara, por volta de 1980. Estava ali instalada a Celulose Beira Industrial (Celbi), SARL , uma empresa dedicada ao melhoramento genético dos eucaliptos, para fins comerciais, com a produção de celulose. Esse meu antepassado não possuía nenhuma relação com aquele estabelecimento, o seu intuito era apenas o de rever o imóvel que conhecera na infância. A Quinta do Furadouro possui uma história muito peculiar, vincada desde o final do século XI, quando foi erguida, pelo abastado aristocrata espanhol, D. João Manuel, o Grande (séc. XI), na, hoje reconhecida, freguesia do Olho Marinho, no concelho de Óbidos. Além do magnífico pórtico, sempre guardado por belos cães de raça, que impediam a entrada de estranhos, a propriedade possuía uma extraordinária mansão, detentora de excelsa capela em honra de N. S. do Livramento. É de notar que, nesse século XI, a Europa vivia em pleno feudalism