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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2021

Da amurada do castelo

    Lembro-me (tinha dez anos de idade) de estar com o meu avô Manuel dentro das muralhas do castelo de Óbidos, numa tarde de folguedo e bem-aventurança, daquelas que só os avós sabem dar, e começar a fazer-lhe perguntas acerca de Reis e Rainhas, e ele, com toda a propriedade, do alto daquele monumento, que era seu por nascimento e amor, começando a desfiar um rosário de contas medievais, descreveu batalhas e lendas. Esfiando conta a conta, ensartando o seu colar imaginário, a sua modulada voz ia e vinha na descrição de aventuras, não esquecendo o nome dos heróis ou dos invasores, nem dos povos que ajudavam nas pelejas. A minha fértil imaginação via as cenas em catadupa. Quantos cavaleiros, de capa e espada em punho, ergueram o reluzente metal a alturas tenebrosas e, quando os seus braços vinham por aí abaixo, num feroz e certeiro, golpe no horizonte, deitavam por terra desavisadas cabeças. Os gritos, as fúrias, o sangue a manchar corpos, todos os instantes de um possível enfre

Bem-aventurada primavera

  A região Oeste resfolega ao sol. Traz à memória, e à alma, uma satisfação emocional idêntica àquela que senti no Brasil, ou em África, em momentos pré-pandémicos - e que, quando esta tormenta for história do passado, voltarei a sentir, pois assim rezam os afazeres profissionais. Quem já esteve no Brasil, ou num país africano, aquando da chegada desta estação encantatória - que permite aos olhos o deslumbre das cores, e ao olfato a satisfação dos aromas - sabe exatamente o que quero dizer. A alma renova-se e o corpo deixa de ter aquele ar bafiento que o inverno atira por sobre nós. Alguns ficam nostálgicos, relembrando as brincadeiras pueris e as correrias em relva verde entrecortada por pequenas margaridas, em companhia dos amigos de uma infância despreocupada e febricitante. Outros recordam antigos passeios, em confraria com os parentes do coração, aqueles cuja fotografia estamos sempre a admirar e a pedir a um deus desconhecido que os proteja e ampare. Infelizmente há aqu

Diário de um corpo sem memória

  Fernando Correia - um dos mais respeitados profissionais da comunicação social em Portugal - esteve recentemente nas Caldas da Rainha, numa rádio local, a falar acerca do seu mais novo livro, cujo título pode ler-se em epígrafe. Nele, o autor que nos acostumou - através da sua voz aveludada e bem colocada - a ouvir prazerosamente relatos de futebol, traz-nos uma realidade emotiva, dolorosa, vivida na primeira pessoa. Uma diegese que nos faz pensar na vida (na nossa e na de quem está ao nosso lado), na dele e na da Vera, a personagem principal. Fernando e Vera, dois padecentes que não estão sós, pois tiveram filhas, e estas lhes deram netos, seres humanos saudáveis, com corações latejantes de amor pela mãe já avó, que, infelizmente, por ironia de um fadário ímpio, é incapaz de o perceber, de o sentir, de sequer o sonhar. Uma senhora que desconhece as suas próprias emoções, com uma vida que paira num éter nebuloso, com uma palavra que não ecoa no quarto, com um coração que pul

O confinamento e a arte da boa disposição

  Neste momento tão delicado que vivemos é necessário manter o bom humor e a mente ativa. E como o podemos fazer? Tanto em Caldas da Rainha como em Lisboa (as cidades que tenho mais à mão) existem lugares interessantes para contrariar um pouco o modo de vida sedentário a que a pandemia nos obrigou e, após as imposições profissionais, respeitosamente executadas em casa, para proteger a Humanidade, não há nada melhor do que dedicar duas horas diárias a uma extensa caminhada (alguns preferem correr, mas o clima deste país, húmido em excesso, fragiliza a ossatura, logo, não devemos abusar dos impactos). Aproveitando o que ainda sobra da minha velocidade aplicada ao slalom , e esgueirando-me em contornos mozartianos (um acompanhamento musical com esse peso, nessas horas, eleva o espírito), consigo oxigenar a musculatura e o cérebro, de tal modo profícuo que, sem dúvida, estou – quase - bem preparado para reiniciar a salutar, e diária, caminhada, que por tantas vezes fiz no calçadão de

O menosprezo à natureza

  Existe em Portugal, especificamente na região Oeste, independente da cor política, uma sanha avassaladora por parte das Câmaras Municipais, e respetivas Juntas de Freguesia, por “exterminar o verde” de diversos pontos de cada concelho. Anunciam que a intensão é a de reduzir a despesa no trato de cada área arborizada, mas também pode ser por outros motivos, entre esses o de vender madeira, comércio lucrativo, que pode não entrar nas contas autárquicas (o que me faz recordar um determinado ex-presidente de Junta, de um concelho oestino, que vendia areia da praia para diversos construtores. Esse dinheiro, açambarcado pelo próprio, não entrava, obviamente, na conta bancária da estrutura que geria. Um belo saco azul). A necessidade de manter, tratar e expandir, uma área verde, é unicamente a de oferecer às localidades uma grande capacidade de melhorar a saúde de cada cidadão. E não me refiro apenas a parques e matas, aponto, também, as árvores nos passeios, e os canteiros dentro das