Esta tarde detive o olhar, durante
vários minutos, sobre uma das telas mais fortes e expressivas que surgiram
diante dos meus olhos nos últimos anos. É a representação viva da mais nobre
arte de combinar tintas e ideias. É uma das mais subtis imagens de um génio das
artes plásticas de Portugal. A plasticidade que nos envolve e nos domina a
alma, quando conhecemos esse trabalho, espelha bem a emoção do artista quando o
concebeu. Naturalmente, ao final daquele parto supremo, não houve derramamento
de sangue, nem sombras liquefeitas de uma qualquer dor, existiu sim, pela força
de uma natureza organicamente arrebatadora, o derramar de cores voluptuosas e
luzes fulgentes, que resultaram num filho vigoroso, cheio de saúde.
Carlos Alexandre conseguiu, depois de
trinta anos de trabalho rigoroso em seu atelier, bem como em exposições em
vários países, deixar uma marca intensa e perpétua em seu traço. Um daqueles
registos que será possível distinguir em distância de gerações. Pinceladas que
serão a representação viva da sua época. Insígnia de todo um momento da pintura
em Portugal.
A relação formal entre as cores
presentes nas obras de Carlos Alexandre, traz ao olhar atento do conhecedor
pictórico todas as sensações possíveis: através das sombras, do calor, da
profundidade, da luz, do frio, da perspectiva.
A pintura acompanha o artista por toda
a sua existência. Ele está tão integrado à sua arte que a sua arte fala
completamente por si. E só diz verdades. Aliado ao talento nato para o
desenvolvimento de seu trabalho está o facto de ser um teórico com informação,
capaz de destronar o mais arrogante dos críticos de arte.
Enquanto Almada Negreiros, o cubista do
Cais do Sodré, tentou inovar através da imitação, copiando as ideias do que viu
e ouviu em Paris, Carlos Alexandre inova através do seu olhar subtil, da sua
pincelada segura e conhecedora dos mais variados caminhos. Enquanto Almada
cresceu como artista através da força dos amigos na imprensa portuguesa e,
principalmente, por causa do seu apoio maciço ao Estado Novo, Carlos Alexandre
cresce através, única e exclusivamente, do seu talento, sem amigos para o
bajular, e sem defender ideologias políticas contrárias à sua própria
ideologia.
O espírito inventivo de Carlos
Alexandre já flanou por galerias importantes em várias cidades do mundo, entre
elas: Paris, Hamburgo, Chicago, Veneza e Nova Iorque, em todas elas deixou o
seu traço e por todas elas verteu cores e formas, como é o caso da tela que
encima este artigo. É um caso de amor entre o pintor e as cidades que o recebem,
ou acolhem o seu trabalho.
Creio que o olhar do pintor, acostumado
à poesia da vida, consegue trazer à tona d’água, ou, se quiserem, à luz da
tela, todo um poema de cores e formas, a cada traço que deposita no branco do
tecido. A sua obra não é o entorno da paisagem, é a própria paisagem! O seu
conjunto de obra é multifacetado, porém, é a vertente da reprodução
arquitetónica a que mais me agrada, pela luz, pela profundidade e,
principalmente, pela força que parece sair de cada tela.
Carlos Alexandre é, na atualidade, uma
das mais importantes forças vivas da pintura, de elevado mérito artístico e de
extrema qualidade moral. Muitos países da Europa e das Américas já se renderam
ao seu talento, Portugal teima em não o admirar como deve. Será pela baixa
frequência de público nas galerias de Arte? É possível, porém, o que mais
parece é que é, de facto, pelo pouco conhecimento que os portugueses possuem
sobre pintura, resultado de anos de péssima gestão governamental na Educação e
na Cultura, os grandes alicerces do Espírito Humano.
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