Esta
manhã tive uma conversa séria e objetiva com um par de calças. Fui obrigado a
dizer-lhe uns quantos impropérios, coisas que nem ouso escrever aqui, pois não
sei a idade das pessoas que poderão ler estes rabiscos.
Confesso
que não foi um diálogo nada fácil. Comecei por apontar-lhe alguns defeitos,
como o de rasgar, além da conta, nos joelhos, depois da última ida à máquina de
lavar. Sobre isso, ouvi uma resposta seca, do tipo “já me compraste rasgada”. E
eu, sem titubear, fui obrigado a dizer-lhe que se não fosse o raio da moda que
me obrigaram a meter goela abaixo, com certeza, não as compraria. Fui,
imediatamente, chamado de volúvel, e de ser facilmente manipulável. Fiquei
irado. Não bastava uma voz feminina a encher-me a cabeça, todos os dias, com o
raio da moda, agora tenho que aturar, também, um par de calças insolente.
Quando
alguém começa a irritar-me, dificilmente consigo olhar com bons olhos a nossa
convivência, aliás, raramente o dia-a-dia volta a ser de equilíbrio, sensatez e
com aquela política doméstica de boa vizinhança, que deve manter a ordem na
casa. A vontade passa a ser uma só: a de aviar-lhe as malas e dizer-lhe que vá
procurar pouso em outro lugar, neste caso seria: procurar cabide em outro
armário.
Olhei
profundamente para a sua cor azul desbotada, preparando-me para um ultimato
feroz e definitivo, porém… veio à minha memória uma série de aventuras que
vivemos juntos, umas belas taças de bom tinto com algumas amigas, um e outro
encontro fortuito onde não fui o único a sair com um ar de felicidade no rosto
(lembro-me bem daquele fecho éclair, com todos os dentinhos metálicos
arreganhados de felicidade, por ter encontrado um zíper perfeito, e juntos,
enrolados, num sofá, curtindo uma madrugada de abertura e fecho completamente
louca).
Com
a passagem dos minutos confesso que comecei a olhar para aquele par de calças
com um saudosismo quase patético. Como podia então dizer-lhe tudo o que vinha
em catadupa? Não consegui. Os momentos bons foram muito superiores a qualquer desavença
que possa ter existido. Decidi por uma trégua. Acariciei-lhe as costuras e
pendurei-a com todo o carinho no melhor cabide que encontrei, percebendo
discretamente um suspiro de alívio e de agradecimento…
Se
existe uma culpada, pelos rasgos aumentados naquelas calças, sem dúvida, só
pode ser a máquina de lavar roupa, com aqueles movimentos sem emoção… Hummm… Vou
até ali, para ter uma conversinha de pé de orelha com aquela maquineta…
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