Em março de 1974, um homem de
porte atlético, galantemente vestido com uma impecável farda branca, abraça-me
à minha chegada ao aeroporto de Luanda, Angola.
O mesmo homem que nove anos
antes fora testemunha do meu batizado, e eu, pequeno e inconsciente rebento,
naquele mesmo dia, o fui do seu casamento, em Santos, Brasil.
Quando, na terra de José
Malhoa, às 10:15 horas, do dia 18 de setembro de 2013, o coração desse homem
decide encerrar a sua jornada na Terra, termina também ali o percurso de uma
vida repleta de Honestidade, Idealismo e Perdão.
Hermínio Maçãs foi um Puro!
Todo o seu percurso, nos campos profissional e pessoal foi recheado de loas à
vida e de ajuda ao próximo.
Formado em Filosofia, em 1958,
aquele jovem seminarista aproveitara bem todo o seu trajeto estudantil na
adolescência, dedicando-se também à Música Erudita e ao Latim. Assim, quando
entra na Faculdade de Direito de Lisboa no ano de 1961 era já um rapaz
respeitado e admirado pelos seus pares.
Em 1962, porém, esse percurso
fora interrompido, devido à sua participação na Greve Académica daquele ano. Em
fevereiro, o Governo proíbe, uma vez mais, as comemorações do Dia do Estudante,
provocando a ira dos estudantes, que, de imediato, tomam de assalto a cantina
universitária. Quando, a Academia de Lisboa realiza a greve de protesto, os
estudantes de Coimbra solidarizam-se, tornando assim o acontecimento num evento
de proporção nacional. A polícia entra, com muita violência, em choque com os
estudantes em Lisboa. Como resultado de toda a contenda, ocorre a demissão do
reitor Marcello Caetano (que era também professor de Hermínio Maçãs) e é
decretado luto académico em Lisboa e Coimbra. Em junho daquele ano, todos os
estudantes que participaram dos conflitos foram repreendidos. Hermínio Maçãs
foi expulso.
O Ministério do Exército não
foi complacente e antecipou a chamada do jovem, colocando-o como Oficial
miliciano em Mafra, depois na Ilha Terceira, nos Açores, posteriormente em
Santa Margarida e, por fim, assumindo grandes responsabilidades, é enviado para
a Guiné Bissau. Quando lhe foi retirado o serviço militar obrigatório, ao fim
de vários anos, voluntariou-se para o Regimento de Infantaria nº 5, em Caldas
da Rainha e, ao término, aceitou realizar uma Comissão de Serviço, em Luanda, no
Quartel-General da Região Militar, até ao Dia da Independência de Angola.
Depois da estadia em África,
seguiram-se sete anos de Brasil (1975-1982), em vida prática. Depois desta,
retorna a Portugal, onde, entre outras atividades, reinicia o Curso de Direito,
concluído em cinco anos.
Hermínio Maçãs doou muito de
seu tempo a causas sociais e culturais, sempre de coração aberto e sem
interesses. Chegou, inclusive, a exercer dois mandatos, pelo Partido
Socialista, como presidente da Junta de Freguesia de Santo Onofre, em Caldas da
Rainha (recusando vencimento mensal, dividindo-o pelos outros componentes da
Junta), além de ter sido, no ano de 2001, candidato à presidência da Câmara
Municipal da mesma cidade.
Foi um dedicado maestro de três
grupos corais (sem auferir vencimento) e, por estar sempre próximo da religião
católica, ajudou desinteressadamente, a organizar missas e inúmeras solenidades
promovidas pelos católicos, por todo o concelho.
A 19 de setembro, um caudal humano
o acompanhou à sua última morada. Com certeza, todos, ali estavam em
retribuição pelo bem que dele receberam. Celebrava-se, portanto, a Amizade.
Quando, naquele derradeiro
momento, coloquei em seu ombro a sua toga, deixei ali ficar também a possibilidade
de voltar a ouvir os seus ensinamentos de Música e Latim, a sua crítica
construtiva, o seu voto de confiança, e a sua objetividade e clareza perante o
deslumbre que é a Vida.
Se um dia, após a minha morte,
perguntarem quem fui, podem ter certeza que se dirá: “Era, com muito orgulho,
sobrinho de Hermínio Maçãs”!
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Mila Calixto
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