Avançar para o conteúdo principal

Igreja da Misericórdia

 

No dia 30 de dezembro de 2020, nesta minha coluna semanal, dei os parabéns ao provedor, a toda a Mesa Administrativa, à Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal da Santa Casa da Misericórdia da Vila de Óbidos, pelo seu excelente trabalho na salvaguarda da história dessa instituição, devido ao rigor no restabelecimento, e publicação, dos seus documentos mais importantes.

Desta feita volto a parabeniza-los, porém, agora devido ao término da recuperação da sua Igreja, inteiramente renovada com apoio do Fundo Rainha Dona Leonor (criado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pela União das Misericórdias Portuguesas “para apoiar os valores e as atividades das Misericórdias de todo o País, no princípio da autonomia cooperante”).

As obras abrangeram um procedimento estrutural no telhado; numa das paredes transversais; no restauro do “cadeiral em madeira policromada e dourada, com espaldar e resguardo frontal”; numa parcela dos “azulejos policromos estilo “padrão”, do século XVII”; na sacristia; na sala das sessões e no semicírculo do altar-mor.

É de louvar, também, o cuidado com o restauro dos episódios da Paixão de Cristo, de autoria de André Reinoso (1585?-1650?) - discípulo do mestre tardo-maneirista Simão Rodrigues (1560-1629) e “um dos mais avantajados e melhores pintores de sua profissão de óleo e imaginária que havia em todo este Reino (In.: Torre do Tombo, Coleção especial, Caixa 116, Doc. nº 2) -. Um artista que desenvolveu durante toda a sua vida uma prática pictural em claro rompimento com os paradigmas do Maneirismo, levando-o a adotar decisões mais centradas na busca de uma nova estética, sendo, assim, um dos nomes principais da pintura Protobarroca religiosa portuguesa.

Como curiosidade: a primeira tela de André Reinoso de que se tem notícia remonta a 1610, sob o título “Nossa Senhora”, para a Ermida de Nossa Senhora da Boa Nova em Ponta Delgada, nos Açores. Poucos anos depois, em 1619, o seu talento leva-o à celebridade, quando executa as vinte telas da “Vida de São Francisco Xavier”, instaladas, então, na sacristia da Casa Professa da Companhia de Jesus, em Lisboa.

Foi, contudo, entre 1627 e 1630 que se dedicou às encomendas religiosas da Vila de Óbidos, designadamente para a Igreja da Santa Casa da Misericórdia e para o Convento de São Miguel das Gaeiras.

Neste momento atual, a Santa Casa da Misericórdia da Vila de Óbidos, através da conclusão das obras de recuperação da sua Igreja, oferece a Portugal um melhor entendimento acerca da riqueza histórico-artística de um património vivamente identitário, plural e multifacetado, que é classificado como monumento nacional, no âmbito da Vila de Óbidos, e que possui intercessões alusivas à conjuntura primária do Barroco em Portugal (século XVII), tendo sido, porém, construída no século XVI.

Esta instituição lança luzes importantes relativamente à recuperação do património cultural religioso português, mas acentua-se, também, como uma luminária no que concerne à possibilidade de entendimento de quais os valores humanos das gentes que construíram a sua história. Sendo, por reflexo, um sustentáculo na identificação de todo o seu território, nos referidos séculos passados.

Sabiamente, Frank Gehry (1929-) anuncia-nos que a “Arquitetura deve falar do seu tempo e lugar, porém anseia por ser atemporal. As cidades têm que ter ícones: bibliotecas, museus, etc. Dentro de cem anos as pessoas, ao admirá-los, dirão “O que é isso?”. E pensarão: “É arte””. Já Paul Gauguin (1848-1903) dizia que “A arte é plágio ou revolução”.

A Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Óbidos é atemporal e é revolução. Sendo nossa devemos admirá-la e dela cuidar, preservando-a para os olhares admirados dos que virão nos séculos futuros.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Constituição da República Portuguesa

  O Chega e a Iniciativa Liberal querem alterar a Constituição Portuguesa. A Constituição é o documento basilar de uma nação, designando os princípios da estrutura política, dos direitos do cidadão e dos limites dos poderes do Estado. Reformá-la sem um critério equilibrado, amplamente democrático e com consciência por parte de TODAS as forças políticas, pode ter consequências expressivas nos mais variados setores da sociedade, implicando com a organização dos órgãos de soberania (Governo, Presidência e Assembleia da República), prejudicando o relacionamento entre essas entidades e as suas jurisdições; pode lesar, igualmente, os Direitos dos cidadãos, tais como, a liberdade de expressão, o direito à vida, à propriedade, à saúde, à educação etc.; pode alterar o Regime Eleitoral, apartando a população do poder de voto nas eleições Legislativas, Autárquicas e Presidenciais; pode redefinir a disposição e o exercício do poder judicial, levando a um impacto na autonomia, e administração...

Arena Romana nas Caldas da Rainha

Toda a vez que ouço um aficionado das touradas destilar frases de efeito, anunciando que “aquilo” é cultura, ponho-me a pensar num excelente projeto que poder-se-ia executar nas Caldas da Rainha: Construir-se uma Arena Romana. Naturalmente seria um plano muito interessante do ponto de vista “cultural”. As Arenas Romanas estão na história devido à inexorável caçada suportada pelos cristãos primitivos. Praticamente a mesma coisa que acontece com os touros numa praça. São muito conhecidas as crónicas sobre as catervas de animais impetuosos que eram lançados sobre os fiéis indefesos, algo muito semelhante com o que se vê nas liças tauromáquicas. Um touro a mais ou a menos para os aficionados é, praticamente, igual ao sentimento romano: Um cristão a mais ou a menos pouco importa. O que vale é a festa; a boa disposição de quem está nas arquibancadas; as fortunas envolvidas, representando lucros fenomenais para alguns; a bandinha de música, orientada por um maestro bêbad...

José Rui Faria de Abreu

  Existem amigos que, quando partem para os confins do Desconhecido, nos deixam uma lacuna na alma, difícil de preencher. Foi o caso do Faria de Abreu. O primeiro contacto que tive com ele foi em Coimbra, no ano de 2001, quando fui obrigado a levar o meu pai, em consulta oftalmológica, de urgência. Após aquele dia, travamos uma salutar amizade, com vários telefonemas em diversos períodos nos anos que se seguiram, e até inúmeras visitas aquando das minhas várias passagens pela Terra dos Estudantes. Os colegas diziam que ele era o melhor oftalmologista de Portugal, a Universidade de Coimbra tecia-lhe elogios e louvores, os pacientes – o meu pai incluído – diziam que ele era um médico respeitador e dedicado. Eu digo, simplesmente, que ele era uma figura humana sensível, logo, alguém que compreendia o valor da amizade. José Rui Faria de Abreu faleceu na manhã do dia 27 de novembro de 2012 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra , aos 67 anos de idade,...