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MARTINS FONTES - O POETA DA LUSOFONIA (1)

José Martins Fontes (o Terceiro do nome) nasceu na casa de número 4 da praça José Bonifácio, em Santos, cidade litorânea do Estado de São Paulo, Brasil, a 23 de junho de 1884. Filho legítimo do médico Silvério Martins Fontes e da Sra. D. Isabel Martins Fontes. Teve uma infância caracterizada pelos estudos caseiros, orientados por seu pai, e tendo nos avós maternos, Francisco Martins dos Santos (o Primeiro do nome) e Josephina Olympia da Costa Aguiar de Andrada, dois grandes mestres e impulsionadores literários, orientando o menino à leitura dos clássicos de língua portuguesa, e outras.

O jovem Martins Fontes estudou no ensino primário em sua terra natal, passando depois para o Colégio Nogueira da Gama, em Jacareí, e para o Colégio Alfredo Gomes no Rio de Janeiro. Ainda na infância, aos oito anos de idade, criou o periódico “A Metralha”, todo produzido à mão, trabalhado a quatro cores, e onde publicou as suas primeiras produções poéticas. No dia 1 de Maio de 1892 estreia em público como declamador ao recitar um poema de sua lavra intitulado “Hino a Castro Alves”, no Centro Socialista de Santos.

De 1901 a 1908 estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e, depois de formado, destacado pelo Governo brasileiro, seguiu rumo ao Acre, assumindo funções de Médico Chefe da Comissão de Obras Federais do Alto Acre, chefiada pelo Dr. António Manuel Bueno de Andrada. Algum tempo depois retorna ao Rio de Janeiro, cidade em que permanece por pouco meses, instalando-se em definitivo na cidade natal, trabalhando nos hospitais da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, no Hospital Santo António, pertença da Sociedade Portuguesa de Beneficência, bem como em outros estabelecimentos médicos da região.

No ano de 1918 foi o principal responsável pelo extermínio da Epidemia de Gripe que assolou a região denominada Baixada Santista (a terrível “Influenza” devastou cidades de várias partes do mundo).

Poeta de alta craveira, esgotou todas as edições de seus livros, em prosa e verso, com grande facilidade, tanto no Brasil quanto em terras lusas. Atualmente é reeditado pela “Martins Fontes Portugal”, sediada em Caldas da Rainha, tendo o primeiro volume de sua Obra Completa, intitulado “verão”, distribuído por toda a rede livreira lusitana. Foi, também, colaborador literário de dezenas de publicações periódicas, no Brasil e em Portugal.

Martins Fontes, entre as muitas benesses e honrarias que recebeu, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de São Thiago de Espada, e eleito sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.

Aos 53 anos de idade, no dia 25 de junho de 1937, vem a falecer, causando forte comoção nos dois países irmãos. Um cortejo de mais de trinta mil pessoas acompanhou os seus restos mortais até o Cemitério do Paquetá, em Santos.

Até hoje inúmeras homenagens são anualmente preparadas para honrar a sua memória, porém a edição da Obra Completa está somente a cargo da editora “Martins Fontes Portugal”, que vem fazendo um trabalho de base, com competência, devidamente autorizada pela Família Martins Fontes.

No ano de 2008 é editada pela primeira vez a peça de teatro “A Cigarra e a Formiga”, em co-autoria com o titular deste artigo. Este livro está também distribuído por todas as livrarias portuguesas, e a ser amplamente divulgado nas escolas, aproximando assim a juventude, mais rapidamente, do nome do Poeta.

Martins Fontes foi um Poeta modelar, toda a sua produção possui uma delicada cadência musical, esbanjando riqueza rítmica e vocabular. Foi na poesia o que Coelho Netto e Machado de Assis foram na prosa: transbordante em luxuosos neologismos, oferecendo ao leitor uma gama magnífica de jóias para a Língua Portuguesa.

Foi o Poeta de todas as escolas literárias, escrevendo como Romântico, Simbolista, Parnasiano e Modernista. Nunca quis filiar-se a nenhuma delas, embora, a meu ver, tenha sido um “simbolista romântico” ou um “parnasiano moderno”. Foi, acima de tudo, perfeito! Eis cinco poemas retirados de sua vasta produção:

Riqueza Franciscana

Quando uma pomba me pousar na mão,

Realizarei o meu supremo sonho:

Neste desejo franciscano ponho,

Desde menino, a minha aspiração.


Só de o pensar, encanta-me a impressão

Dessa dádiva, e, tímido e risonho,

Fecho os olhos, e iludo-me e suponho

Sentir tocar-me a santificação.


Dar de comer a um passarinho, tê-lo,

Cheio de afeto e trémulo de zelo,

Entre os dedos, em pura adoração!


Isto busquei a vida inteira! E, prémio

Do meu viver de trovador boémio,

Hoje uma pomba me pousou na mão.

* * * * * * * * *

Cântico do outono


Ouro! Maturação! Lucidez! Despedida!

Hora espetacular, apoteose do drama

Com que a terra nos mostra, em púrpura incendida,

O pranto que resplende e jamais se derrama!


Ao crepúsculo anual, a experiência contida

Lembra o pomo, em sazão, a pender de alta rama,

O estoicismo de quem se desprende da vida,

Mas, antes de findar, em sorrisos se inflama!


Cerce, a foice da lua, ou da morte, naquelas

Fulvas searas do céu, daqui a poucos minutos,

Vai ceifar, cegamente, as promessas mais belas.


E, num último adeus, vemos, de olhos enxutos,

A descrença, ao cair das folhas amarelas,

A renúncia a doirar a doçura dos frutos.

* * * * * * * * *

Íntima

Entre as lembranças que há na minha mesa

De trabalho, entre inúmeros e gratos,

Carinhosos, caríssimos retratos,

Um, por ser mais fiel, causa surpresa.


Cercam o quadro, imagens da beleza,

Flores, em vaso de cristal, em pratos

De prata velha, de gentis ornatos,

Cinzelados à moda portuguesa.


Escrevendo um soneto, agora, enquanto

Casava as rimas, redobrando o encanto

Que, no improviso, delas sobressai.


Ergui nas mãos esta fotografia,

E como minha Mãe o beijaria,

Assim beijei a face de meu Pai.

* * * * * * * * *


Clamor


Vai ser tremendo, terrível,

Quando eu lhe falar, tenace,

Do modo mais insensível,

Face a face.


Calmamente, friamente,

Ante o seu vulto adorável,

Hei de mostrar-me inclemente,

Implacável.


Porque as Princesas precisam

Saber das mágoas secretas

Que nos matam, martirizam,

Pobres poetas...


Por isso dir-lhe-ei: - Rainha,

Por quem desvairo e me inflamo,

Ai, Dona e Senhora minha!

Eu Vos Amo!

* * * * * * * * *


Si j’étais Dieu…


Se eu fosse Deus, seria a vida um sonho,

Nossa existência um júbilo perene!

Nenhum pesar que o espírito envenene

Empanaria a luz do céu risonho!


Não haveria mais: o adeus solene,

A vingança, a maldade, o ódio medonho,

E o maior mal, que a todos anteponho,

A sede, a fome da cobiça infrene!


Eu exterminaria a enfermidade,

Todas as dores da senilidade,

E os pecados mortais seriam dez…


A criação inteira alteraria,

Porém, se eu fosse Deus, te deixaria

Exatamente a mesma que tu és!


Um dos projetos que estou a ultimar, e que envolvem o nome de Martins Fontes, é a publicação de sua biografia. Um trabalho de investigação de longos vinte e dois anos, iniciado no ano de 1990. Essa pesquisa levou-me a cinquenta e três cidades brasileiras e a catorze cidades portuguesas, fazendo com que conseguisse, através de documentos e importantes depoimentos, traçar um perfil de Martins Fontes que, modéstia à parte, nenhum outro biógrafo conseguiu até então. Essa biografia está agora em fase final de revisão.

No dizer do escritor português Júlio Dantas, no volume “Os Galos de Apolo”[2]: “Num dos meus últimos volumes saudei com entusiasmo o aparecimento de um grande poeta (…) esse poeta extraordinário – Martins Fontes – glória das letras brasileiras contemporâneas, acaba de publicar mais duas obras: uma revelou-mo como prosador: “A Dança”; outra: “Granada”, em alexandrinos que me fizeram lembrar a policromia ofuscante dos azulejos moçárabes, acabou de convencer-me de que a obra deste moço e glorioso poeta permanecerá, nas duas literaturas, como uma das mais fortes expressões do génio lírico…”.

Já Júlio Brandão, em sua obra “Recordações dum velho poeta”[3]: “…Martins Fontes (…) O seu poder verbal é ofuscante. É um raro criador de ritmos e um colorista que não desmerece diante dos grandes mestres venezianos. Poeta orquestral, dir-se-ia que os seus poemas refulgem e crepitam, entre o voo lampejante e estriduloso das imagens, sem que deixe de haver, com frequência, melodias duma limpidez deliciosa. Há no seu alaúde todas as cordas. Amigo caloroso de Portugal, todos os que entre nós se interessam pelo esplendor das Letras (e em especial do Verso), o admiravam deveras e lhe queriam muito (…) Este extraordinário poeta foi um homem de comunicativa cordialidade, com aquela bondade que é divinamente contagiosa e a mais pura flor da vida. Teve fulgurações de génio – e a sua originalidade mostrou, nesta época em que a personalidade naufraga, a sua irrefragável grandeza. Entusiasta e generoso com os seus amigos, sem invejas ou perfídias, viveu e amou (…) Era tão devotado a Portugal, que no trigésimo dia depois da sua morte, foram talvez mais de dez mil portugueses, segundo li, prestar-lhe uma homenagem de admiração e de saudade ao cemitério de Santos[4], onde repousa…”.

E foi essa homenagem de Portugal, e de todos os portugueses de Santos, que originou e perpetuou até aos nossos dias a “Romaria dos Cravos Vermelhos”, acontecimento que evoca um passado de grandeza e que imortaliza um sentimento de saudade perene, e de amor filial, de duas nações por um Poeta, que, acima de tudo, foi um homem Bom!


*



[1] Texto redigido segundo o Novo Acordo Ortográfico.

[2] Dantas, Júlio. Os Galos de Apolo. 1ªed. Lisboa, Portugal-Brasil Ltda Soc. Editora, 1921, p.169.

[3] Brandão, Júlio. Recordações dum velho poeta. 1ªed. Lisboa, Editorial Gleba Lda., s/d, Coleção Estudos Portugueses, 2, p.173-174.

[4] Cemitério do Paquetá, em Santos.

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