Óbidos é uma das mais belas
vilas da Europa. Um local repleto de imaginação e ternuras. Quem conhece, ama.
Quem ali nasce, respeita. Caminhar por Óbidos, dentro ou fora das muralhas, permite-nos
encontrar motivos para encantamento.
Um dos meus deslumbramentos é
referente aos monumentos seculares, carregados de uma história viva, ofuscados
por mitos, e enraizados na mais sublime memória humana.
Uma das edificações importantes
que nos encandeiam o olhar, e a alma, é a Igreja de São Pedro. Alçada entre os
séculos XIII e XIV, tendo sido um templo gótico de três naves, com alpendre e
escadaria no pórtico, este, portador de uma pedra com alto-relevo ostentando um
signo-saimão.
Um vórtice, ocorrido a 19 de novembro
de 1724, muito a castigou, porém, foi o terremoto de 1755, que deixou as suas
fragilidades à mostra, pois, veio ao chão quase na totalidade, salvando-se
apenas o altar-mor, em talha dourada com trono, construído entre os anos de
1690 e 1705, e a torre sineira, com o seu esplêndido escadório espiralado em
pedra, assim arquitetado porque “só subirá a Montanha do Senhor quem tiver as
mãos limpas e o coração puro”.
Depois, por graça e obra de
esclarecidos, foi despretenciosamente reerguida com um interior de nave única. Tantas
décadas passadas e podemos ali admirar o magnífico retábulo de autoria do pintor
João da Costa (Séc. XVII), emoldurando uma cena que retrata São Pedro recebendo
de Cristo as chaves do Céu. É de referir, também, que ali estão os sepulcros de
Josefa de Ayala (1630-1684), sob o solho do pórtico da sacristia, junto ao
altar transversal de Nossa Senhora do Rosário; e, na parede do altar-mor, do
lado norte, as cinzas do clérigo Francisco Rafael Silveira Malhão (1794-1860),
beneficiado, orador e poeta.
No cimo da entrada principal da
Igreja de São Pedro podemos ler a inscrição “Beatus es Simon Bar Jonas”
(Bendito és tu, Simão Barjonas). É de notar que o conjunto hebraico “Bar Jonas”
significa “o filho de Jonas”, “porque não foi carne e sangue que to revelou,
mas meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16,15-17. Bíblia Almeida), elevando,
assim, o pensamento católico da comunidade, para a bem-aventurança. Uma
reflexão digna da beatitude dos que se colocam acima da concupiscência e buscam
seguir o caminho do Senhor.
Na magnífica nave, coberta por
teto de esteira, exibem-se distintos altares com fecunda imaginária
setecentista, de entre as quais incorrem em singular referência: São Martinho e
Nossa Senhora da Piedade.
Já na antiga Capela do Santíssimo
Sacramento, ao lado direito de quem entra, podemos observar a obra de “talha
policromada, toda de frutos, sobre a qual assentam as colunas“, que pertenceu à
ermida, com o mesmo nome, do antigo Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição,
“constituído por frades da Ordem de São Jerónimo, fundado na Ribeira de Vale
Benfeito”.
Atribuídos a Josefa de Ayala,
encontramos, nas paredes da entrada, de ambos os lados, dois medalhões (São
João Evangelista e São Marcos), no períbolo podemos admirar, do lado esquerdo,
assaz esmorecida, a laje sepulcral do antigo alcaide-mor, João Annes do Pó, e,
na sacristia, variadas efígies do século XVII, de entre elas, a de São
Benedito, o Mouro.
Tenho a sensação escarlate de,
em arredadas épocas, ter vivido nas imediações dessa Igreja, talvez entre os
folhos emocionais de alguma geração espirituosa, cujos acordes de flauta reta,
alaúde ou saltério exaltavam fantasias e tremeluziam ímpares comoções. Pois, é
com saudade que olho aquele monumento, aquelas ruas, aquelas gentes.
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