No século XIX existiu, em A-da-Gorda,
Óbidos, uma vereda inteiramente arborizada com garbosas Olaias (Cercis
Siliquastrum), todas plantadas pelo meu bisavô Francisco Calisto, a ladear a
rua de terra batida que ligava as suas chãs de plantio e a casa de sua futura
esposa, Cecília de Paulo.
Quando Francisco era menino, os
seus pais, Joaquim Calisto e Maria Clara, adquiriram aquelas terras e, a partir
desse ato, todos os dias, de carroça, faziam o percurso entre essa aldeia e o
íntimo da Vila de Óbidos, onde residiam.
Já acostumado ao lugar, o
rapazola, quando não tinha aulas com o Mestre-escola, passava dias inteiros a
desbravar a região. Era um petiz de paixões, entre estas, a de organizar molhos
de variadas flores, para as entregar à mocinha dos seus amores. Tantas vezes o
fez que, um dia, prometeu-lhe: “Se casares comigo, começo hoje a compor um
caminho de Olaias entre a tua casa e as minhas terras”.
Cecília, uma jovem muito
bonita, com expressivos olhos azuis e cabelos cor de mel, era muito cobiçada
pelos alambazados da região, porém, os seus pais, Guilherme de Paulo e Filomena
Apolinário de Sousa - que há muito haviam percebido a troca de olhares entre a
filha e Francisco – eram ciosos com a sua prole, não permitindo nenhum avanço
dos galifões.
Francisco, desde cedo, percebeu
como era severa a lide no campo. Os seus pais trabalhavam, literalmente, de sol
a sol, e, claro, orientavam, do modo que sabiam, o destino da família, nunca
negando benefícios, mas, também, exigindo ajuda e atenção no trabalho de cada
dia. E, assim, foram fortalecendo raízes e compondo a família. Daquelas terras
saíram muitas batatas, couves, vinho, fruta, etc., praticamente tudo à força
dos braços, pois, como não eram de grandes posses, não possuíam modernas
máquinas agrícolas a vapor, sendo detentores, isso sim, de inúmeras alfaias, que
tratavam da estimulação da terra, da cesura e do manejo de forragens, do desbaste,
da sachada, da irrigação, das semeadas, das apanhas, das esfolhas e do
aprovisionamento dos grãos, instrumentos “movidos a braço”.
O rapaz, como foi aprendendo
com os pais a lidar com a terra, foi, também, adquirindo conhecimentos acerca
das mais variadas espécies que a natureza produzia, ora para alimentação, ora
para adorno. Neste caso específico, aperfeiçoou-se em árvores cujos carpos eram
coloridas flores.
Um de seus encantamentos
botânicos era a “Árvore do Amor”, a melíflua Olaia. Desde que a descobrira que
a desejava perto de si. E nela começou a investir, criando uma alameda bela,
que floria em toda a primavera, para gáudio dos que transitavam perto daquele
pedaço de chão.
Guilherme e Filomena, com o
passar dos anos, foram notando que, afinal, Francisco poderia ser um excelente
marido para a sua Cecília. Tanto que passaram a convidá-lo para, nas tardes de
domingo, quando o tempo assim o permitia, comer uns petiscos e associar-se a um
dedo de prosa. Foi num desses dias que, o pai da moça, decidiu perguntar o
motivo que levara o rapazola a plantar Olaias, uma árvore hermafrodita, polinizada
por abelhas, e que deveria ser alvo de um cuidado extremo nos primeiros dez
anos, pois é sensível ao frio. Francisco, sem tirar os olhos da amada: “A minha
Ceci é merecedora de todo o meu sacrifício”.
Algum tempo depois, casaram-se.
Tiveram cinco filhos: Manuel (meu avô), Cacilda, Francisco, Joaquim e Mapril.
O filho mais novo era ainda uma
criança imberbe quando Cecília adoeceu. Francisco deixou de cuidar do sendeiro
de Olaias.
Dizem, em A-da-Gorda, que o
amor de Francisco e Cecília ainda se sente no ar, especialmente na prímula,
quando uma solitária Olaia, a derradeira, floresce.
Comentários
Enviar um comentário