Aproximei-me da casa. Não havia
grande movimento, apenas alguns transeuntes de um e do outro lado da artéria.
No ano passado fui à
inauguração do restaurante Bar Brasil, na Avenida Mem de Sá, na Lapa, foi lá
que me disseram que o Bruxo estava doente.
Este início de século XX é
curioso. O Rio de Janeiro respira profundas modificações. Pereira Passos deseja
fazê-la coirmã de Paris, em imagens de riqueza urbanística. A Belle Époque
instala-se, os grandes Poetas ribombam, sendo aplaudidos quando surgem nas
ruas. Existe uma febre confessional em torno de Bilac, Coelho Netto, Martins
Fontes, Emílio de Menezes, Goulart de Andrade, entre outros.
Salvo situações especiais,
devido a impedimentos profissionais, os grandes nomes ainda se encontram, todas
as tardes, na Colombo.
O centro da cidade patenteia um
ar de frescor que não imaginei ser possível.
Laranjeiras mantém-se igual a
si. Parece que as próprias pedras das ruas teimam em não envelhecer. Já aqui
não vinha há muito, mas, sempre me identifiquei com o lugar.
As velhas crónicas dizem que a
sua origem remonta ao século XVII, por causa das chácaras ali construídas, na
região conhecida como: Vale do rio Carioca.
De memória mais recente - pois
ocorreu em 1889 - está o confisco do Paço Isabel, residência dessa princesa e
de seu marido, o conde d’Eu. Ainda dói na alma o que esses republicanozinhos
fizeram com a Família Imperial brasileira, aquando da proclamação da república.
Não sei o que você, meu caro leitor, pensa disso, mas, se estudar um pouco de
história, principalmente a do Brasil colónia, verá a grandeza de D. Pedro II.
Tremendamente injustiçado pela trupe de Deodoro da Fonseca. Não me refiro ao
golpe de Estado político-militar ocorrido, mas sim, à expulsão (confinando-o em
agressivo exílio moral) e ao confisco de bens, sofrido pelo nosso grande
Soberano.
Mas, voltemos a Laranjeiras:
Arredor onde mora, altivo e sereno, o Fluminense Football Club, que não é outro
senão o amor esportivo do prolífico e genial Coelho Netto, ser etéreo em ideias
e vontades, que verte para o papel um encantamento considerável e profanamente
belo.
Para quem conhece bem o bairro,
sabe que o mesmo tem início no Largo do Machado (em alusão ao ceramista André
Nogueira Machado, que possuía, ali, muitas terras) e termina nas imediações da
rua Cosme Velho, exatamente onde estou agora, e que faço questão de estar, pois
é aqui que mora outro dos pilares da Literatura.
No século XIX, a região foi
sendo adornada de casarões magníficos, chácaras pastoris e muito faustosas,
devido ao facto da Princesa ter-se mudado para cá em 1865.
A entrada principal do Paço
Isabel era na rua Paissandú, o que fez a jovem princesa querer aformosear essa
via com um vasto acervo de palmeiras imperiais, dando-lhe um ar elegante e
sóbrio.
Laranjeiras foi, então, alvo de
um enorme impulso, sendo cobiçada, não apenas por abastados comerciantes, para
ser o local de suas moradias, mas, também, por industriais de relevo, que aqui
instalaram colossos capitalistas, ora veja-se o caso da Companhia de Fiações e
Tecidos Aliança, que foi parar à rua General Glicério.
Outro modernismo do bairro foi
a benesse da Companhia Jardim Botânico, que ali fez chegar os seus bondes.
Sendo a Bica da Rainha o seu ponto de recolha de passageiros. Devo mencionar que,
esse fontanário, foi assim batizado em homenagem à Rainha D. Maria I, que
gostava de visitá-lo e beber de suas águas.
Mas, deixemos de história. O
sol está a pino e não vejo nenhum movimento na casa de nº 18. O que me
entristece, pois, gostaria muito de ter justaposto no frontispício de “Helena”
- que tenho o cuidado de utilizar como camila para estes meus gatafunhos – a
assinatura do Mestre.
Arrisco um contumaz bater de
palmas. Nada em retorno. Prodigalizo uma observação mais cuidada no entorno do
imóvel. Nenhum movimento. Não há sequer o ruído característico de um animal de
estimação, quando fustigamos a sua porta. Parece deserto, o casarão magnífico.
Ouço a passarada.
Repentinamente. Qual toque de recolher. A hora avançou e disso não me apercebi.
Num volteio lento e triste, despeço-me, até um dia, quem sabe.
R.C.
Rua do Cosme Velho. Julho de
1908.
P.S.: Depois de caminhar poucos
passos olhei para trás. Tive a nítida sensação de divisar um vulto coberto por
uma folha de cortina. Como é fértil a minha imaginação.
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