Avançar para o conteúdo principal

Entre o silêncio e a meditação




Depois de algum tempo, decidi sair de casa. Arriscar-me, para contrair ideias para o romance em calha.

Um passeio breve, sempre a fugir das pessoas que não encontrei.

Durante todo o percurso vi pássaros, voltaram à cidade. Bandos, que haviam desaparecido por causa do ser, pouco humano, que se move desengonçadamente pelo planeta, causando estragos e trazendo desequilíbrios.

Dois pavões cumprimentaram-me numa rua, ao abrirem, em leque, a sua matizada cauda. O que me fez pensar em atravessar um parque próximo. Surpreendentemente havia silêncio, pois as bocas barulhentas não subsistiam por ali. Ouvi mais passarinhos. Vi espécies que julgava extintas. Suas asas batiam ventos de uma harmonia impensada. Sorri.

Vi ratos, um esquilo a subir no tronco de uma árvore, patos e gansos. Ouvi contrapontos, emitidos por uma bicharada insanamente bela. Nada abafou o som do meu deambular.

Não sei se aprofundei a minha bhavana, ou o meu desenvolvimento mental. O que sei é que há muito que não expandia a meditação andando, tentando estar alinhado com o elevado percurso óctuplo, onde as Oito Práticas tentam se compor com a Quarta Nobre Verdade do Budismo. Soberano Caminho do Meio, que permite a moderação e a harmonia. Campos onde o pensamento frutifica e se reproduz.

Durante todo o percurso foi-me possível refletir sobre a Realidade do Sofrimento (Dukkha), a Realidade da Origem do Sofrimento (Samudaya), a Realidade da Cessação do Sofrimento (Nirodha), e a Realidade do Caminho para a Cessação do Sofrimento (Magga), desse recolhimento compreendi o motivo do padecimento humano nesta época difícil que vivemos. A conclusão que tiro é simples: Somos a causa, sempre fomos, de todo o mal que nos atinge. É a Lei do Eterno Retorno. A vida é sofrimento, mas, também é amor. E, muito investimos no primeiro, abandonando o caminho para chegar ao segundo. Será que conseguimos - em algum momento, da breve existência que temos - experienciar o gosto da felicidade de proteger a quem nos recebeu entre cânticos e aromas?

Renovação. É o que devemos retirar da lição que estamos a receber. Só regenerando conseguiremos usufruir de uma existência mais digna, menos sofrida, menos egoísta, com menos ganância e cobiça. Buscando a beleza e o equilíbrio nas coisas simples, nos olhares sãos, nos prazeres honestos.

A liberdade da nossa alma, e da nossa mente, esse é o objetivo. A sanidade. O andar mais devagar. O ouvir mais música. O ler mais. O compreender da Independência do espírito através do Ser e não do Ter.

A correção das nossas atitudes e dos nossos atos, para o bem comum, e para mudarmos a história do nosso Planeta.

Entender, pensar, concentrar, falar, agir. Exatamente o que a natureza está a fazer, no momento em que o ser humano jaz refugiado.

E é tão bom… Encontrar os seres - que tentamos silenciar todos os dias – a manifestar o seu agrado de viver em harmonia com o Todo.

Depois de uma hora faço o caminho inverso, Completo em ideias, harmonias e contrapontos. Vi apenas duas pessoas. Será que também saíram para respirar ideias para um romance?

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o