Lembro-me (tinha dez anos de idade) de estar com o meu avô Manuel dentro das muralhas do castelo de Óbidos, numa tarde de folguedo e bem-aventurança, daquelas que só os avós sabem dar, e começar a fazer-lhe perguntas acerca de Reis e Rainhas, e ele, com toda a propriedade, do alto daquele monumento, que era seu por nascimento e amor, começando a desfiar um rosário de contas medievais, descreveu batalhas e lendas. Esfiando conta a conta, ensartando o seu colar imaginário, a sua modulada voz ia e vinha na descrição de aventuras, não esquecendo o nome dos heróis ou dos invasores, nem dos povos que ajudavam nas pelejas. A minha fértil imaginação via as cenas em catadupa. Quantos cavaleiros, de capa e espada em punho, ergueram o reluzente metal a alturas tenebrosas e, quando os seus braços vinham por aí abaixo, num feroz e certeiro, golpe no horizonte, deitavam por terra desavisadas cabeças. Os gritos, as fúrias, o sangue a manchar corpos, todos os instantes de um possí...
Ator, encenador, professor de Arte Dramática, escritor e jornalista.