Era cedo. Uma manhã diferente,
com algum tempo para uma distração poética e um devaneio atlético. Acabara de
chegar às Caldas da Rainha. Dias haviam passado sem olhar para as suas
vergonhas, e ali estavam elas, escarrapachadas, em ruas, avenidas e praças,
boquiabertas de imundície, assoberbadas de promessas vãs e disparates pueris.
Devido ao estado da urbe decidi
caminhar até ao Parque e, ali, entre trescalâncias e gorjeios, poderia,
finalmente, encontrar a paz que necessitava, para assentar ideias e planear
futuros.
Porém, e é aqui que a vaca
muge, qual não foi o meu espanto… Os desejados aromas eram simplesmente podres,
os trinados, esses, coitados, devem ter desaparecido em gargantas tolhidas
pelos possíveis ruídos que assolaram aquele espaço verde em dias seguidos.
Disseram-me que cavalos estiveram
por ali, mas a porcaria maior era humana. Constatei a veracidade do facto,
comprovada pelos estertores alcoólicos à flor da terra.
Pássaros, nem em sonhos, pois
as desafinadíssimas “orquestras”, que por lá flanaram, trataram de os
afugentar.
Não há santuário verde que
resista às barbáries cometidas ano após ano (no período mais rude da atual
pandemia, onde os eventos foram proibidos, o local vicejou de alegria,
manifestando-se com toda a força da sua possante natureza).
Apesar das tristes cenas que as
retinas, e o olfato, captavam, decidi avançar por alamedas de poeirenta terra
vermelha, misturada com gravilha, palha e dejetos de animais.
Não havia disposição para ler -
sentado num dos afamados bancos vermelhos - ou para continuar a caminhar.
Dirigi-me, então, a um dos portões de saída. De repente, vejo-me diante de um
cavername de pedra, com janelas e portas em apodrecida madeira. Recordei-me de
uma época remota, onde aquele local carregou toda a sorte de estudantes, de
curiosos, de livros. Edifícios que foram tantas coisas e, hoje, nada são.
Progresso? Futuro? Coitados dos caldenses, que ainda acreditam em histórias da
carochinha, em coelhos da Páscoa, em lobisomens… Enquanto isso, a morte vai
ganhando contornos de abismo devorador, aqueles que se vão jamais saberão dos
gritos de dor daquelas pedras. Com agudo olhar percebemos que elas se
movimentam e, ano após ano, vão entrando em desalinho, até um dia perecerem também.
Isso importa a quem? Há alguém,
realmente, interessado em salvar o concelho da ruína?
“Quando a dor cortante o
coração maltrata e tristes gemidos ferem nossa alma, apenas a música e seus
sons de prata, rápido nos trazem outra vez a calma!” (William Shakespeare,
1564-1616).
Um galo cantou. Surpreendentemente.
Um cucuricar que soou a estranho pela hora. Pasmo, de ver aquele ser ali
despojado, completamente fora do seu habitat.
“Ouvi dizer que o galo, |
Trombeta da alvorada, com sua voz aguda, | Acorda o Deus do dia, | E que a esse
sinal, | Os espíritos errantes, | Perdidos em terra ou no mar, no ar ou no
fogo, | Voltam rapidamente às suas catacumbas.” (Horácio. Hamlet. William Shakespeare).
Quantas tristes almas,
destroçadas, vibrando perdidas, sem encontrarem o caminho da sua própria paz, naquele
parque desfilam as suas tristezas e saudades… Desditosas, lamentam-se,
condoem-se com o entorno de desgraça que se lhes apresenta em palidezes e
plangores.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
possui o pensamento acertado, acerca da índole das pessoas que maltratam o
Parque D. Carlos I: “A nossa atmosfera estava carregada de tempestade. A nossa
própria natureza nublava-se, pois não tínhamos encontrado caminho algum…”.
Comentários
Enviar um comentário