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Traços identitários

 

É gratificante para a alma quando conhecemos um concelho e percebemos de imediato os seus traços identitários. Porto, Óbidos, Leiria, etc. estão nesse naipe. Infelizmente, Caldas da Rainha não! Houve tempo em que este burgo era facilmente identificado, pois, a cerâmica, as termas e o comércio tradicional marcavam fortemente a sua personalidade. Neste momento possui uma posição desfavorecida e desconfortável, devido ao que se foi perdendo com o tempo e por causa do pouco conhecimento histórico-cultural que a classe política possui acerca da região.

A matriz identitária de um concelho enaltece a sua reputação histórica, impulsiona a produção em diversos setores e consolida a discussão na cidadania e na cultura. Propiciando, como excecionais campos de atuação, a proteção, a propagação e o reconhecimento da herança cultural, com assento numa consciência participada de região, de biocenose, de sociedade e de investimento. Na rotina diária, as suas diligências, acerca da manutenção dos protótipos identificadores, são inevitavelmente sintetizadas como um modo de estruturação económica, sem necessidade de auxílios governamentais.

Caldas da Rainha é uma cidade de rotundas e de grandes superfícies comerciais (infelizmente, a enorme concorrência neste setor não permitiu uma digna política de preços, especialmente nos géneros alimentícios, o que se pratica é impensável para o atual estado financeiro da população).

Regressando ao cerne dos traços identitários: se atentarmos, por exemplo, na cidade do Porto, percebemos como as pessoas reverenciam a sua essência, completamente fixada na Cultura, tendo, ainda, investimentos muito interessantes em outras áreas (educação, ciência, saúde, etc.) que, inevitavelmente, a colocam como um excelente local para viver. Todas as mais-valias que a região oferece atraem turistas de vários quadrantes do planeta e, o principal, fazem com que o portuense sinta vontade de respirar a cidade, aproveitando dela tudo o que pode.

A Capital do norte está limpa, arejada, com um comércio tradicional fortíssimo e com dezenas de projetos relacionados com o ambiente, com a Cultura e com a preservação patrimonial. E tudo teve início a partir do “Porto Capital Europeia da Cultura 2001”.

Caldas da Rainha perdeu a possibilidade de obter visibilidade nacional e internacional, e um considerável suporte financeiro, quando os seus políticos não compreenderam que, se o concelho viesse a concorrer a Capital Europeia da Cultura, voltaria a ser apetecível para investimentos de grande porte. Poderia não ser escolhida? Claro, especialmente devido a todas as suas fragilidades, porém, teria ganho muito somente por competir. Quando a classe política é insignificante e malformada, acaba por chegar a decisões pequenas.

Em época não muito remota, poderia ter sido eleita Capital de Distrito. Atualmente, é tão secundária que não possui força para exigir o mínimo de “quem mexe os cordelinhos no Governo”.

Há mais de vinte anos que se repetem as mesmas ladainhas, todavia, pouco se conseguiu nos setores da saúde, da cultura, da educação, dos transportes, etc. O desenvolvimento económico da cidade perde-se em ideias pouco claras, tanto que a Zona Industrial não é atrativa; o escasso comércio tradicional existente vive em esforço, com iniciativas que contemplam apenas três ruas do centro; o turismo é o que sobra de Óbidos; etc.

Os traços identitários das Caldas da Rainha são do passado e estão a morrer aos poucos. Mas a classe política mantém a pose, anunciando “grandes novidades” a cada semana. No resumo: pouco se vê de importante no meio de tanto folclore. A população só não vive deprimida porque há esplanadas com sol numa boa parte do ano, e porque compram toneladas de livros de autoajuda.

Este concelho perdeu, há muito, a sua identidade. É necessário interromper este processo, contudo, não acredito nessa possibilidade a curto e médio prazo, pois, o coração da cidade está morto.

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