“As minhas memórias”, do
obidense Maximino Alves Martins, está com a sua segunda edição praticamente
esgotada. O que é muito merecido, pois quem conhece o autor sabe que o seu
cunho de memorialista é excelente e o seu saber, no que concerne às coisas da
sua terra e das suas gentes, é imenso.
Esse género literário, onde o
narrador explana acerca de factos da sua vida, possui um tratamento verídico, o
que lhe dá um carácter bem próximo ao coração.
A história da literatura está
repleta de apontamentos memorialistas, basta, por exemplo, consultarmos a
epistolografia de alguns nomes sonantes da Cultura e da Ciência para o
comprovarmos. Vejamos o caso da permuta de correspondência entre Charles Darwin
(1809-1882) e o escritor e naturalista argentino William Henry Hudson
(1841-1922), acerca dos hábitos do Molothrus
bonariensis (estorninho, também conhecido como chupim, chopim, maria-preta,
godero e melro). Ali, a abordagem é carregada de reminiscências, entrecortadas
com a troca de informes sobre um estatuído experimento e sobre os efeitos
alcançados na descoberta dos costumes da espécie assinalada. Neste caso, o
género memória presta-se a abrir espaços para opiniões, sempre em função do
assunto tratado, construindo pontes de diálogo e interpretações variadas. Em se
tratando de dois cientistas do porte dos citados acima, o que se percebe é que,
ao agirem de modo informal na comunicação epistolográfica, estão a guardar a
exigência do rigor para o relatório final ou para a sublimidade do respeito ao
método a ser publicado cientificamente, tornando aqueles documentos num
manancial de informação, tanto pessoal quanto acerca do quotidiano de cada um.
Maximino Alves Martins
similarmente caminha por alguns desses planos, entregando-nos apontamentos de
uma riqueza extraordinária sobre a
sua árvore genealógica, os seus professores, as regiões onde nasceu e viveu, os
amigos, as brincadeiras de criança, as coisas sérias de adulto, a Lagoa de
Óbidos, os passeios, etc. Além disso, todo o livro traz uma panóplia de nomes
que me são muito caros, naturais do concelho de Óbidos, amigos de meus
familiares mais chegados. É um livro que aproxima as gentes, que cria laços,
que sai do seu espaço físico e avança pela alma humana. Uma anamnese que
relaciona memórias, ajudando, inclusive, a definir a identidade nacional, pois,
esta, é feita dos fragmentos que cada ser humano semeia ao seu redor. Maximino
Alves Martins entrega-nos emoções visíveis, eternidades que adormeciam em si e
que caritativamente ofereceu à sua comunidade, ao seu país.
Se o avançar dos anos nos leva
a vida, somente contrariamos o fim que nos é destinado se o desafiarmos, para
isso devemos, por exemplo, trazer a lume as nossas recordações, entregando-as à
Humanidade através da Arte, em qualquer uma das suas ramificações. Logo, o
nosso envelhecimento jamais atingirá a nossa Obra, se esta for solidamente
edificada. A nossa mente possui gavetas que, se abertas nos tempos certos,
podem trazer imortalidade, para as pessoas e as coisas das quais nos recordamos.
As lembranças afetivas de cada um de nós não obedecem a cronónimos.
Na História trabalhamos com
documentos que podem ser classificados nas mais distintas espécies, sempre em
concordância com as suas características. Assim, preocupamo-nos com o género, a
família, a forma, o formato e a natureza do assunto, enquanto um memorialista
somente deve ter em atenção o cantar do seu coração. Se este estiver carregado
de sinceridade acabará por legar-nos um livro emotivo. Como é o caso do aqui
comentado.
Parafraseando Johann Wolfgang
von Goethe (1749-1832): “O que passou… passou. Mas o que passou luzindo
resplandecerá para sempre”. A luz de “As minhas memórias” permanecerá acesa na
Terra até ao ocaso dos tempos. Longa vida ao seu autor, para que possa, por muitos
anos, colher as alegrias que lhe são merecidas.
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