A Mécia Rodrigues Ferreira
Pela nossa amizade eterna.
Perpetuada em tantas páginas,
Tantos sorrisos e tantos abraços.
Corria o ano de 1990 quando Roberto Fontes Gomes e Juvenal Fernandes apresentaram-me o
historiador Manoel Rodrigues Ferreira,
de quem já muito ouvira falar e era admirador confesso.
Era uma sexta-feira, dia de almoço
entre o Roberto, o Juvenal, eu e o professor Sólon Borges dos Reis, num costumeiro restaurante da cidade de São
Paulo. Era dia de trocarmos confidências literárias, de discutirmos este ou
aquele tema, de colocarmos a limpo as reuniões em que participamos, dias antes,
no Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo e na Academia Paulista de
Letras. Locais que comecei a frequentar, também, a convite daqueles meus
dois saudosos amigos.
A minha admiração por Manoel Rodrigues
Ferreira surgiu quando li três dos seus vinte e três livros publicados: A Ferrovia do Diabo, O Mistério do ouro dos Martírios e Nas selvas amazónicas, porém, longe de
mim estava, imaginar que o conheceria, que seria seu amigo e que com ele iria
privar nas reuniões do “nosso” Instituto. Casa que, havia algum tempo, não
frequentava, por motivos alheios à sua vontade, motivos esses que levaram o
queridíssimo amigo, grande escritor e historiador, Hernâni Donato, a convocar uma reunião extraordinária, fora de
horas, e à porta fechada, com os elementos mais
importantes daquela Instituição, e com o intuito de convencer o nobre cultor da
história brasileira a voltar a frequentar novamente aqueles salões.
Quando cheguei ao restaurante para o
repasto com os três amigos, sou confrontado, porque fui o último a chegar, com
a visão que muito me espantou: havia um quarto elemento sentado ao redor da
mesa e, reconhecido por mim, através de já conhecida fotografia. A minha
aproximação foi lenta, sem titubeio de voz, estendendo uma mão cheia de dedos e
o cumprimento característico para o momento, porém, sem salamaleques: “é uma
honra conhecê-lo, professor Manoel Rodrigues Ferreira”.
Depois, o deão daquele colégio de
cardeais literários: Roberto Fontes Gomes, brindou-me com algumas palavras
gentis, anunciando que, com a minha chegada, passara a estar composto o grémio
cardinalício e, sem mais delongas, poderíamos, assim sendo, avançar com a ordem
de trabalhos. Tudo refletido nas duas horas de conversa, que pareceram
intermináveis, pela maravilha da refeição e pelo brilho estelar daqueles
cérebros que estavam a meu lado.
Manoel Rodrigues Ferreira nasceu em
Itapuí, que em remotos tempos fora chamada de Bica de Pedra (com que orgulho me
contou esse pormenor) no dia 25 de julho de 1915. Saudoso de sua terra e de sua
gente, especialmente de seu irmão Tito
Lívio Ferreira, outro gigante da historiografia brasileira, passou, por
isso, uma parte daquele almoço a falar-me da infância e da adolescência. Mas
foi uma pequena frase, atirada ao ar entre um gole de um bom tinto e uma
garfada mais encharcada em azeite de oliva (estávamos a degustar um bacalhau
cheio de espiritualidade), que me atiçou os sentidos historiográficos: “Meu
rapaz, o Brasil nunca foi uma colónia portuguesa, foi sim um Estado da Coroa
Portuguesa”. Confesso que, naquele momento, só me veio à cabeça a pergunta que
o obrigaria a provar-me aquela teoria, porém, antes mesmo de abrir a minha boca
para levantar tal questão, ele, com uma rapidez de raciocínio que
impressionava, começou a desfiar um rosário completo, anunciando a grande
descoberta que seu irmão Tito Lívio Ferreira fizera desse tema e,
inevitavelmente, como tudo estava documentado.
Eu, que admirava muito o historiador,
passei então, após aquele almoço, a admirar o ser humano. O homem que lutava
pela verdade histórica. Que queria ver todas as escolas a ensinarem, com
fidelidade, os grandiosos factos históricos de um país impressionantemente belo
e poderoso como o Brasil. Aquele ser, capaz de verter lágrimas, como aconteceu,
quando nos contou do sofrimento dos que trabalharam na construção da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré. Aquele indivíduo que fez de uma simples refeição entre
amigos um manifesto pela pátria, numa luta para salvar o património ecológico
mais importante do mundo. Um homem impressionantemente culto.
Depois daquele dia fui reencontrá-lo
numa conferência de António Soares Amora,
na Academia Paulista de Letras. Sentamo-nos lado a lado e, antes de começar o
evento, a nossa conversa percorreu uma série de caminhos literários, até que
fomos interrompidos por minha querida amiga Lygia
Fagundes Telles, que chegou entusiasmada com inúmeras novidades ligadas à Academia Brasileira de Letras, todas
elas relacionadas com um pedido meu para que a Casa de Machado de Assis fizesse
justiça e reconhecesse publicamente a arbitrariedade cometida para com o Poeta Martins Fontes, num passado remoto[1].
Às reuniões literárias fomos juntando o
convívio salutar durante os almoços de confraternização entre academias e
institutos de cultura, de que ele era um dos mentores, além da participação em
inúmeros eventos que possuíam a literatura como ponto principal de discussão.
Passamos, eu e Manoel Rodrigues Ferreira, a ter uma amizade forte, um laço
cultural que unia duas gerações tão distantes uma da outra, separadas por
cinquenta anos.
Agradeço-lhe tudo o que me ensinou.
Todos os caminhos históricos, numa Casa de Historiadores como é o Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, que me ajudou a percorrer. Agradeço a sua
palavra de incentivo e, às vezes de repreensão, exatamente como um professor
deve fazer a um aluno novato. Agradeço-lhe por ter-me apresentado a Mécia, sua
filha, minha grande amiga e, com o passar dos anos: irmã.
Quando ocorreu a morte de Manoel
Rodrigues Ferreira senti-me profundamente triste, não apenas pelo óbvio que
cerca o sentimento de perda, mas por estar neste meu exílio involuntário,
distante da minha pátria e dos meus amigos de tantos anos, que me ajudaram
nesta caminhada, lenta, porém, progressiva, pelas letras. Uma distância que
impediu a despedida final, o agradecimento por tudo o que me ensinou. Distância
essa que me impossibilitou de oferecer à minha querida irmã o ombro tão
necessário nesse momento. E que obstou-me de consagrar o fraterno abraço de
amizade a todos aqueles que connosco conviveram durante tantos e tão bons anos,
numa São Paulo fascinante, por sua grandeza física e por sua pujança histórica.
“Ser Paulista
Ser Paulista! É ser grande no passado!
E ainda maior
nas glórias do presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil
nascente!
Ser Paulista! É morrer sacrificado
Por nossa Terra e pela nossa Gente!
É ter dó da fraqueza do soldado,
Tendo horror à
filáucia do tenente.
Ser Paulista! É
rezar pelo Evangelho
De Ruy Barbosa,
o Sacrossanto Velho,
Civilista
imortal da nossa fé!
Ser Paulista! –
Em brasão e em pergaminho,
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido,
mas cair de pé!”[2]
*
Comentários
Li a autobiobibliografia de Manoel Rodrigues Ferreira e relatos de sua filha Mécia Rodrigues Ferreira.
O Brasil perde ao deixar de publicar suas obras, algumas inéditas.
Que Deus permita que suas obras sejam publicadas para o bem das futuras gerações.
Esclarecimentos importantes e revelações foram dada.
Obras didáticas apesar da complexidade do conteúdo.
Peço que os donos dos direitos autorais possam encontrar editores para publicação de todas as obras.
Wladimir Karasek Neto
Wkarasek@hotmail.com
Obrigado
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