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O Cruzeiro da Memória




Reza a lenda que D. Afonso Henriques (1106, 1109 ou 1111 – 1185) montou acampamento onde, atualmente, está edificado o Cruzeiro da Memória, em Óbidos. Estava, o Conquistador, a preparar-se para invadir e apoderar-se da vila que, à época, achava-se em poder dos Mouros.

Esse monumento foi erguido no século XVI e possui uma mescla entre os estilos gótico e manuelino e está localizado fora das muralhas, nas proximidades do Aqueduto, e na articulação das estradas que nos levam às Quintas do Jardim e da Pegada.

Devo aqui referir que o transepto que ali se encontra já não é o original, mas, é deveras importante, senão vejamos: Todo aquele agregado escultórico é representado por uma cruz, cujo relevo expõe componentes ornamentais específicos do período manuelino, pois a figuração dos seus braços culmina numa flor-de-lis. O pedestal que a sustenta ostenta adornos vegetalistas, e a ambivalência da própria cruz consente que uma das faces exponha Cristo Crucificado, e, a outra, Nossa Senhora da Piedade, o que enuncia mimoso pendor naturalista. Menciono, também, a presença de uma dística gótica, quase impercetível, na base da citada cruz e que, segundo o clérigo Francisco Rafael Silveira Malhão (1794-1860), beneficiado, orador e poeta, refere: “Em memória da tomada de Óbidos por assalto, pela Porta da Traição, por D. Afonso Henriques, rei cristão, em 10 de janeiro de 1148”.

O Cruzeiro da Memória está acolhido dentro de uma limitada estrutura de planta quadrangular, que jaz apoiada numa substrução de pedra, representada por resistentes paredes de alvenaria, e fixas por cunhais de silharia. Existem abertas nas quatro faces: Uma porta a poente, uma porta-janela do lado antagónico e duas janelas nas frentes remanescentes. Como se pode verificar, todas estas roturas expõem flancos chanfrados, abrigados por grossas grades de ferro. No teto encontramos o talhe de uma pirâmide oitavada, de ângulos superficialmente arcados e uma intrínseca e duplicada armila ogival.

São às centenas as pessoas que passam semanalmente diante do Cruzeiro da Memória, porém, poucas são as que sentem curiosidade pelo monumento. A falta de informação é uma das causas, a outra, com certeza, prende-se ao facto de existir uma sobrevalorização de tudo o que acontece intramuros, deixando outras reminiscências e situações importantes, cravadas extramuros, como é o caso do Cruzeiro da Memória, em segundo plano.

Aquela estrutura simboliza muito para Óbidos, devido, não apenas à sua antiguidade, mas, também, pelo que significa para a história relacionada às grandes (e, infelizmente, sangrentas) conquistas. Um período importante relativo à afirmação deste país enquanto nação.

É, também, um dos monumentos históricos representativos de uma resposta contra a fugacidade da vida, e, como tal, faz-nos sentir pertences de uma época cuja identidade foi vincada de um modo muito profundo na alma humana: O século XVI. A centúria de Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo Buonarroti (1475-1564), Maquiavel (1469-1527), Martinho Lutero (1483-1546), William Shakespeare (1564-1616), Nicolau Copérnico (1473-1543), Luís Vaz de Camões (1524-1579 ou 1580), e tantos outros basilares do pensamento humano.

Um século de revoluções, principalmente na astronomia, na ciência e na literatura. Um período desafiante, onde, a luz do Cruzeiro e a memória dos seres, refutavam teorias e desafiavam as esferas celestiais.

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