O
século XIX foi a centúria das pandemias. Porém, o flagelo que mais vezes
assolou a humanidade nessa centena foi o cólera
mórbus, sendo os anos de 1833 e 1856 os mais admoestados.
Na
epidemia de 1856, ficou para a história que o paciente zero foi descoberto no
rio Ganges, na Ásia, porém, não há indícios acerca do local exato. Pode ter
sido em algum ponto entre o Himalaia ocidental (no estado indiano de
Uttarakhand) e o Delta do Ganges, na baía de Bengala.
Em
Londres, 500 pessoas morreram depois de beber água da bomba pública de Broad
Street (atual Broadwick Street). O rastilho foi aceso, e, após esse infeliz
acontecimento, a Exposição Universal de
Paris foi afetada e, num ápice, devido ao movimento humano, através das
viagens marítimas e terrestres, uma boa parte do nosso planeta foi atingida.
Em
Portugal, o cólera mórbus entrou
inicialmente pelo Porto (a cidade foi oficialmente considerada suja no dia 1 de
julho de 1855), estendendo-se velozmente para Lisboa, Algarve e Ilhas. Segundo
documentos da época, consta que não foi tão dramática como a de 1833, mas,
mesmo assim, ceifou um número expressivo de vidas, deixando muitas famílias sem
os seus arrimos, e muitos pais sem descendência.
Óbidos
e Caldas da Rainha foram fortemente atingidas pela pandemia. Com o passar das
semanas, a região ocupada por esses dois concelhos foi tocada, também, pelo
espectro da fome, pois as atividades de subsistência - entre elas a mais
importante da época: a venda de produtos hortifrutigranjeiros - sofreu uma
medida restritiva, tomada pela Autoridade Pública.
As
regras sanitárias, que proibiam a circulação e os ajuntamentos, eram muito
fortes, porém, a imprensa da época era contrária a essas precauções, porque
achava que o cólera mórbus não era
contagioso. Os jornais de então preferiam instigar os seus leitores à compra
(por leigos) de livros e tratados práticos de medicina especializados em cólera mórbus, carregadinhos de
instruções de como prevenir, e tratar, essa doença, antes da visita do médico,
para “facilitar a vida ao próprio”. O que fez com que a maioria da população
não obedecesse às restrições impostas pelas autoridades.
Óbidos
e Caldas da Rainha sofriam de falta de médicos (o que era recorrente por todo o
país) e de medicamentos, e tiveram o ponto alto da epidemia em finais de
novembro. A gravidade da doença, e a falta de auxílio às famílias, foram os
dois maiores motivos para a extensa mortandade.
Existia,
também, o problema da limpeza urbana, pois era comum ver vielas, ruas e praças
carregadas de imundícies. Para piorar, quando as carroças - cheias da porcaria
que se acumulava em alguns pontos das vilas - eram despejadas, faziam-no em
terras próximas de veios d’água que alimentavam as plantações e cultivos.
Aumentando, assim, o número de casos pandémicos.
Somente
quando os próprios jornais passaram a exigir a limpeza urbana, a quarentena, o
afastamento social e fortes medidas sanitárias dentro das casas, como meios
fundamentais de combate à propagação do cólera
mórbus é que a pandemia começou a ser controlada.
Em
dois anos essa doença provocou a morte de 17.718 pessoas em todo o país, porém,
esses são os números oficiais hospitalares, não se sabe, creio que nunca se
saberá, quantas pessoas morreram em ambiente doméstico (determinadas
publicações médicas da época apontam, neste caso, mais de quinze mil óbitos
caseiros).
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Ilustração: Original do periódico semanal “La Mosca Roja” publicado em Barcelona.
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