A língua de Rafael Bordalo
Pinheiro (1846-1905) era “um pouco afiada”, destilando um saudável e engraçado
veneno. Muito diferente do que se vê atualmente nas redes sociais e nas
conversas de café.
O dichote e o maldizer
bordaliano eram doces narrativas do quotidiano, tendo como foco principal a
política. Hoje, são os próprios políticos que, em campanhas internas, andam
pelas casas uns dos outros a difamar adversários. Tudo pela ganância de obter
os seus quinze minutos de glória.
Se a classe política faz dessas
coisas, o povo aumenta-as, não se limitando a sussurrar impropriedades em
ouvidos alheios. Movidos por uma força intestinal curiosa, esse mesmo povo
avança para o teclado de um computador destilando todo o seu fel (que,
obviamente, acaba na barra dos Tribunais).
Enquanto Bordalo fazia uma
observação cuidadosa, astuta, apropriada e crítica, de determinados temas (ou
pessoas), fazendo com que a sua intercessão artística fosse irônica e, porque
não dizê-lo, acutilante, o comum dos mortais atuais, como não possui,
minimamente, o talento bordaliano, não consegue, de modo perspicaz, analisar o
entorno, bastando para a sua estupidez um rápido olhar em redor do próprio
nariz, pinçando apenas o nada, o vazio.
Bordalo Pinheiro costumava dizer:
“Quem tiver olhos, que veja; quem não quiser ver, que durma.” Como, atualmente,
não há olhos como os dele, as pessoas dormem. E, muito distante do sono dos
Justos. A sua crítica social era rica em detalhes, profunda em sentidos
estéticos, racional em sua mordacidade.
O alcoviteiro de Internet (e os
que enxameiam os Partidos políticos) é simplesmente um pobre coitado. Alguém
que não ficará na história, mesmo que ocupe algum cargo pseudoimportante. A
natureza encarregar-se-á, felizmente, e democraticamente, de sepultar os tolos.
A “Grande Porca” de Rafael
Bordalo Pinheiro fez história. O povo, quando consumia as suas caricaturas,
deleitava-se com a blague e o bom humor. Neste século XXI, uma parte da população
é a própria caricatura, chafurdando, quando a deixam, na lama onde assenta a
adiposa suína.
Nunca, as instituições
políticas possuíram tantos analfabetos estruturais (não me refiro ao
analfabetismo funcional, isso é outra loiça). A construção, organização e
disposição de um pensamento, acerca de outra pessoa, se não forem alinhadas com
a ética nunca poderão fornecer-nos um perfil exato sobre o visado.
A corrupção vem gangrenando a
sociedade porque um outro patamar da alfabetização estrutural está a ser
desrespeitado, maculado. A superficialidade tomou conta de todo o processo de
resolução de problemas, ou de busca de alternativas políticas. Os anos de
Estado Novo ajudaram a que surgisse o ser disfuncional, estruturalmente
analfabeto. O ser mesquinho e rude veio à tona d’água, conseguindo chegar ao
poder, à comunicação social, às redes sociais, etc..
Hoje, a língua afiada de Rafael
Bordalo Pinheiro é apenas uma sátira de si própria, um esgar, um momento
pendular no colo de uma meretriz barata. Estamos no final dos tempos, não o do
fim do mundo, mas apenas do adeus da decência e da ética. Paz à sua alma!
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