Avançar para o conteúdo principal

Entre unicórnios e fadas

 

Tenho amigos - muito graúdos - que colecionam todo o tipo de bugiganga, outros, como é o meu caso, preferem atulhar a casa de livros e discos de vinil. Duas coleções que dão um certo trabalho, pois não se trata apenas de comprar para amontoar, é necessário dar-lhes atenção, muita.

Todos os dias surge a necessidade de lavar um LP, de o colocar, quase de modo religioso, no toca-discos e, pasmado, perceber que o planeta parou de girar, que a respiração quase cessou, que o coração passou a bater no ritmo do que se ouve.

Recuperado, avanço para o livro do momento, geralmente é algo “pesado” (Eça, Camilo, Machado de Assis, Coelho Netto, Graciliano Ramos, etc.), aquele tipo de volume que emociona a cada parágrafo, que nos entorpece os sentidos, que faz-nos acreditar que a vida pode ser melhor do que essa que querem impingir-nos.

O ser humano atual lê pouco. O que é trágico, pois, assim, não consegue organizar campos de raciocínio. Como resultado, não possui estrutura para um debate de ideias, sendo um alvo fácil para, por exemplo, as garras das raposas políticas.

A eleição autárquica que se aproxima, cuja campanha ainda é embrionária, já dá mostras da tolice que por aí vai. Cartazes ridículos, com frases toscas, que anunciam banalidades. Candidatos que, se fossem eleitos, trariam o apocalipse para as suas freguesias e concelhos. Não sabem escrever, não são capazes de formar ideias, não falam corretamente a língua-mãe, um caos.

A falta de cultura geral, da maioria (dos que são candidatos a cargos públicos), é a prova da sua pouca apetência para a leitura, para a audição de boa música, para a apreciação de inúmeras manifestações artísticas.

Se pudermos passar pelo menos uma hora, em 24, entre unicórnios e fadas, com certeza traremos para o mundo muito mais vida do que aquela prometida pela maioria da classe política deste país. Portugal afunda-se a cada dia que passa. Não há uma política voltada para as pessoas, algo real, importante e imponente, que “salve vidas à nascença”. Este país vive dias de elucubrações mentais, de estatísticas, de “empreendedorismo” (a maior falácia que existe).

Mas, por incrível que possa parecer, tudo o que vivemos foi pensado ao mínimo detalhe. Desde o dia 2 de janeiro de 1980 que Portugal possui um regime – silencioso – autoritário, que mina as instituições públicas e corrompe as privadas. Um procedimento que lentamente esvazia a cultura (basta estar atento aos nomes escolhidos para os sucessivos ministérios, e secretarias, dessa pasta, durante estes últimos 41 anos para o podermos comprovar); fabricando marionetas, carneiros.

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem!” (Bertolt Brecht)

A falta de leitura, a falta de unicórnios e fadas, leva as pessoas a um caos mental enorme, tormenta que só lhes permite perceber a cenoura que lhes chegam ao nariz. E essa gente vai, obviamente - e para desgraça de qualquer nação - parar à política. Infelizmente, o eleitor (que na maioria das vezes também não lê, não adquire conhecimento, não aprende a pensar pela própria cabeça) acaba por votar de modo cabresto, não percebendo que o político que não possui cultura e não se posiciona a favor da população que o elegeu, não merece ser votado.

Tanto na Esquerda quanto na Direita (e nos diversos movimentos políticos que surgem) há pessoas de grande valor, assim sendo, ainda tenho esperança - antes de ir morar na minha praia de sonho, passando as últimas décadas da minha vida a beber água de coco e a escrever sonetos de amor – de ver Portugal crescer realmente, sem falsos empreendedorismos, sem falácias, sem artimanhas.

Comentários

Unknown disse…
Belo texto como sempre. Beijinhos









Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o