O local estava silencioso, como
silente se encontrava o entorno. Um pássaro e um farfalhar de ramagem quebrara
a monotonia. Não sei se do verso que lia, se do sorriso que despontara, vindo
de um tímido sol. Senti um aconchego na alma. Lembrei-me de minha infância,
passada entre os grãos de uma areia quente e sedosa, onde leve era a constância
dos pensamentos e doce o paladar que saboreava os quitutes. Tudo era poesia. A
idade assim o permitia. E melhorava quando a água do mar se aproximava e
obrigava-me a um encantamento que só via em livros de aventuras, daqueles com
grandes heróis de capa e espada.
Esta manhã admirei o espaço
envolvente - muito diferente, e distante, da minha praia -, e agora o que vejo
são verdes espécimes, cortadas, na maioria das vezes, sem nenhum pudor. Escalvadas
por completo, tendo a nu as suas fragilidades. Há um lago também, pouco
cristalino e trôpego em imagens, se não fosse um pato ou um ganso cortarem as
águas de vez em quando, imaginar-se-ia por ali apenas algumas pulgas de água
(os entendidos dizem que são dáfnias), seres que, mesmo ínfimos, causam leves incómodos
ao ecossistema local.
Sinto falta de arvoredo de
abundantes cores, daqueles que encontramos em países distantes, e onde são
tratados como deuses na Terra.
Imagino este local onde estou
agora repleto de flamboyants, com
copas largas, e flores vermelhas espampanantes, idênticos aos que costumava
contemplar, plenamente extasiado, na Ilha de Paquetá, na Baía da Guanabara, no
Rio de Janeiro.
Será que cada um que me lê já
encontrou o seu lugar de sonho? Tive essa sorte. E é exatamente ali que quero
passar os meus últimos anos, admirando o deslumbre colorido de uma natureza
feliz, um oceano borbulhante que saltita e ruge, acalenta e assusta, conforme o
seu estado de espírito.
De repente, sou despertado por
um qualquer grasnar, lembro-me de onde estou, deixo o sonho cair por terra e arremeto
os olhos de relance, procurando um aconchego que me faça acreditar que este parque
que tenho diante de mim é, de facto, diferente, especial.
Infelizmente não consigo sentir
alegria. Vejo edifícios antigos em ruínas (dizem que um dia será um hotel),
alamedas sujas, pessoas que passam cabisbaixas, destilando uma tristeza
interior que faz eco: Um silêncio atordoador, daqueles que podem gerir um
temporal. Não sou o único, afinal, que está deslocado. Aquelas almas pululam
entre infortúnios. Será que alguma delas, um dia, encontrou um lugar de sonho?
O meu avô paterno sussurrava-me
inúmeras vezes: “Devemos fazer o nosso ninho onde existir sortimento suficiente
para que as crias não sintam frio nem fome. Um local onde o sonho pereça depois
do corpo. Não te demores onde não sentires que és feliz.”
Continuo a caminhar por entre
escombros, vestígios de almas perdidas e quimeras arrancadas, a frio, sem dó.
Mais homens e mulheres passam por mim, não interagem, não erguem o olhar para o
céu, não buscam o agasalho que, supostamente, a natureza envolvente pode
oferecer. Estarão mortos?
De olhar mediano, admirando
timidamente o que me envolve, vou deixando os pés levarem-me para diante. Paro
a poucos metros do coreto. Insalubre. Insosso. Adornado com cores frias e
adereços pobres. De repente, uma voz conhecida atira o meu nome pelo ar. A
amiga que não via há meses, que andara acabrunhada por causa da vida de artista
falida que ostentava, estava diante de mim. Depois do abraço da saudade, reparo
no alforge que pousara no chão. Com o olhar mareado diz-me um “obrigado por
tudo” e mostra-me uma passagem, só de ida, para o seu lugar de sonho. É isso:
“Não te demores onde não sentires que és feliz.”
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