Avançar para o conteúdo principal

Ano novo, velhos hábitos

 

Durante décadas pairou sobre a Terra um pensamento reconfortante, o de que, realmente, os novos anos que se aproximavam poderiam trazer à humanidade muita alegria, saúde e paz. Balelas insonsas disparadas por bocas pueris. O ser humano – e ficou claríssimo com o surgimento das redes sociais – odeia-se. Não existindo, portanto, a mínima hipótese de um alvorecer pacífico a cada manhã.

A ganância e a inveja foram, no passado, os pratos a servir. E nada mais do que isso existirá, futuramente, nas comunidades a que pertencemos.

Os valores que deveriam nortear o pensamento humano estão muito distantes de uma realidade sólida e palpável. O desejo de ser bondoso, que atravessa a todos, só se mantém em alguns, pouquíssimos, seres. O que é perfeitamente visível naquilo que se publica na Internet e o que se vê nas ações do dia-a-dia. 

Albert Einstein (1879-1955), no seu extraordinário “Como vejo o mundo”, publicado no já distante ano de 1930, diz-nos: “Os ideais que iluminaram o meu caminho, e que várias vezes me deram coragem para enfrentar a vida com alegria, foram a bondade, a beleza e a verdade. Sem o sentido de bondade, sem preocupação com o mundo objetivo – o eternamente inalcançável no campo da arte e dos esforços científicos – a vida pareceria vazia para mim. Os objetivos banais dos esforços humanos – posse, ostentação e luxo – sempre me pareceram desprezíveis”.

Este sublimado pensador refletiu delicadamente acerca de alguns temas essenciais para a formação do ser humano (“o sentido da vida, o lugar do dinheiro, o fundamento da moral, a liberdade individual, o Estado, a educação, o senso de responsabilidade social, a guerra, a paz, o respeito às minorias, o trabalho, a produção, a distribuição de riqueza, o desarmamento, a convivência pacífica entre as nações”, etc.) e dessa reflexão sobressaiu uma análise impregnada de alta espiritualidade, de centrado discernimento, de aproximação com o Alto.

A qualidade da alma humana depende da sua própria depuração e do labor da consciência moral na conexão do humano com o divino. O sopro, que é a vida de todos nós, só nos torna existentes através do bem que espalhamos. O resto é conversa fiada que se dilui com o tempo, apagando o nosso nome da história.

Como possuir um ano melhor se não modificarmos os nossos hábitos, a nossa essência? Como exigir do outro uma mudança, se não alteramos a confusão do nosso ego? Queremos perfeição ao nosso redor, porém, insistimos em locupletar-nos com o sofrimento alheio.

O espírito André Luiz, no livro “Agenda Cristã” psicografado por Chico Xavier (1910-2002) dá-nos alguma clareza espiritual nestes pontos: “Lembre-se de que você mesmo é o melhor secretário de sua tarefa, o mais eficiente propagandista de seus ideais, a mais clara demonstração de seus princípios, o mais alto padrão do ensino superior que seu espírito abraça e a mensagem viva das elevadas noções que você transmite aos outros. Não se esqueça, igualmente, de que o maior inimigo de suas realizações mais nobres, a completa ou incompleta negação do idealismo sublime que você apregoa, a nota discordante da sinfonia do bem que pretende executar, o arquiteto de suas aflições e o destruidor de suas oportunidades de elevação – é você mesmo”.

Se envenenarmos, em todos os sentidos, tudo o que nos rodeia, estamos cabalmente a alimentar tudo aquilo que vem tornando – para alguns - cada ano insuportável.

Na esperança de que a Humanidade mude, resta-me apenas oferecer-vos os mais sinceros votos de um feliz ano novo. Tendo por base o célebre pensamento: “Amai-vos uns aos outros” (João 13:34-35).

Comentários

Armando Taborda disse…
Pois, assim vamos de ano em ano, fazendo votos de amor, e morrendo da raiva, da doença e da inultrapassável desigualdade social que domina a civilização Século XXI.

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o