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A dor do tempo que passa

 

A morte não é um tema que amedronte. Impõe respeito, mas não atemoriza. A memória filosófica está abarrotada de conjeturas e doutrinações sobre o finamento humano, contudo, não passa disso mesmo, suposição e catequese.

Platão (428-347 a. C.), Montaigne (1533-1592), Schopenhauer (1788-1860), Heidegger (1889-1976), etc., debruçaram-se sobre o tema, porém, como não o puderam explicar pelo ponto de vista do finado, o desfecho que nos legam atira-nos para um pensamento muito vago: a morte é o númen da filosofia.

Fédon – um dos esplêndidos diálogos de Platão, que retrata a morte de Sócrates (470-399 a. C.) – externa, enriquecido de diversos argumentos, que a alma é eterna, existindo, assim, vida, após a morte do corpo físico.

Michel de Montaigne dizia que “meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade”. Nos seus Ensaios, no decorrer dos vinte anos que lhes dedicou, muito explanou sobre a felicidade dos que não a temem, dos que não se curvam perante a sua aproximação, enfrentando-a de frente, com a lucidez e a bravura dos fortes.

Arthur Schopenhauer, no seu excelente livro “A metafísica da morte”, anuncia que ela (a morte) é a pedra-chave da filosofia. O indivíduo, então, enquanto ser não-filosófico vive a tranquilidade da convicção do seu fim, sendo, portanto, “obrigado a viver o melhor que puder, pois não há mais nada após isto”. Neste caso, o peso que o adeus à vida terrena tem sobre o seu pensamento é tão grande que o verga psicologicamente, matando-o décadas antes do desfecho final. Com o surgimento da argumentação acerca da morte surgiu, igualmente, “a certeza assustadora da morte”, o que “derruba” todo o indivíduo frágil mentalmente.

Martin Heidegger vaticina que o ser humano é sempre mediado pelo seu passado, um indivíduo que nasceu para morrer, sendo um elemento preocupado, angustiado, com sentimentos de culpa enraizados. Uma criatura que não possui um sentido de vida, mas um destino de morte. Para fugir disso é necessário atingir o seu verdadeiro “eu”, conhecendo-se em profundidade, certamente compreenderá como enfrentar (e superar) a noologia da morte.

Os descrentes, que não abonam a favor da vida espiritual depois da morte da matéria, conhecidos como materialistas-reducionistas, entreveem apenas o centro do umbigo e não o fundamento oculto que criou os multiversos. Olham para a lua e percebem uma pedra, olham para o sol e veem simplesmente um rebo em chamas. Para estes a vida deve ser difícil, pois caminham pela existência com o pensamento direcionado à cova que os aguarda.

Recentemente, um grande amigo interpela-me com a “certeza de que não há vida após a morte, pois a alma não possui cérebro, fazendo este parte única da matéria”. Perguntei-lhe o que era Deus. A sua garantida certeza católica-apostólica-romana dá-me a resposta habitual: “é o criador disto tudo”. Voltando a interpelá-lo: então é matéria ou alma? O que é Deus?

- É o espírito ilimitado e imortal, gerador do Universo.

- Ora, se é espírito não possui cérebro, logo, não pensa. Como é possível ter criado tudo isto sem a capacidade do raciocínio e da imaginação?

O seu silêncio aterrador, acompanhado de um olhar mortiço, sepultou-o.

A nossa matéria respira o medo da dor do tempo que passa. Se não mudarmos o registo em que vivemos, certamente não compreenderemos aquilo que as religiões mais professam: a imortalidade da alma, a possibilidade de comunicarmos com os mortos e a reencarnação.

“A morte é apenas a destruição do corpo e não do perispírito, que se separa do corpo quando nele cessa a vida orgânica.” (Allan Kardec, 1804-1869).

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