No recente dia 31 de maio
ocorreu a abertura da exposição “Nove capas para o Zeca”, de José
Santa-Bárbara, na Sala Polivalente da Biblioteca da Escola Superior de Artes e
Design em Caldas da Rainha (ESAD.CR), sob curadoria de Abel Rosa. A mesma
estará patente até ao dia 17 de julho e poderá ser visitada por todos que
possuírem interesse.
O evento teve a coordenação do
“Núcleo AJA Caldas da Rainha – Associação José Afonso”, um dos 19 núcleos
existentes que homenageiam o maior cantor de intervenção de Portugal: José
Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (1929-1987), o Zeca Afonso.
José Santa-Bárbara, artista
plástico iluminado e iluminador, possui uma obra notável, amparada por uma
criatividade abundante e impetuosa. Se analisarmos as capas que concebeu para
os discos de Zeca Afonso, respeitando, naturalmente, a época de criação, com
todos os reduzidos meios técnicos existentes, encontramos um virar de página,
um marco assente na novidade e no poder da originalidade. Cada capa é uma obra
de arte, além de ser uma cisão com o convencional pardacento e melancólico que
o país estava habituado a admirar nos escaparates. O novo recado gráfico passou
a dialogar com as utopias do momento, trazendo um traço de modernidade e um
cheiro a país menos bafiento.
As nove capas em questão
possuem um texto e um subtexto muito fortes. Constituem uma arte mais
conceptual do que comercial, estimulando a interpretação estética, com clara
mensagem de inovação. Estão no patamar de uma verdadeira afirmação visual, com
pioneirismo e genialidade artística, deixando de ser uma simples embalagem
utilitária.
No quesito pioneiro, vemos que
José Santa-Bárbara mudou para sempre o mundo das capas de discos em Portugal,
pois foi o ponto de partida para algo novo. À semelhança de Alex Steinweiss
(1917-2011) que, nos anos 30 do século XX, enquanto diretor artístico da
Columbia Records, nos Estados Unidos da América, teve a ideia de criar capas
matizadas, magistralmente estampadas, tornando-as verdadeiras obras de arte.
Genuínas peças de colecionador. Depois, vieram as capas com notável
personalidade, sendo a criação de Peter Thomas Blake (1932-), em 1967, para
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos The Beatles, o seu Santo Graal.
Num escaparate de vendas, toda a música é invisível sem a roupagem certa. Tanto
Steinweiss quanto Blake vestiram compositores e intérpretes de um modo irrepreensível.
Essas nove capas de José Santa-Bárbara transmitem-nos, também, referências
muito fortes, de uma época deveras difícil para a cultura portuguesa, um
momento em que a censura tolhia todas as feições criativas.
Zeca Afonso vive, renascendo a
cada lembrança popular, porém, seguindo o pensamento do próprio: “Eu não sei se isso de
recordar o nascimento corresponde a um conteúdo repetido dos sonhos (...).
Agora que existe uma imagem persistente, uma luz muito difusa (...), uma luz
láctea, uma luz imanente, uma luz muito vital (...) como se fosse um banho de
leite que me mergulhasse a mim ou que mergulhasse o Universo. Uma larva branca.
É a impressão que eu tenho.” É bom sonhar, principalmente sonhar Zeca,
acompanhado das suas músicas e dos seus ideais de Liberdade. Será que a
juventude, desta e de épocas futuras, conseguirá compreender Zeca Afonso?
Para concluir, tenho um formoso
apontamento, que me fez conceber Zeca Afonso. Uma deliciosa recordação: uma
tarde, no Rio de Janeiro, em casa do jornalista Barbosa Lima Sobrinho
(1897-2000), situada na rua Assunção, nº 217, no bairro de Botafogo, pude
ouvir, ao vivo, na agradável voz de Nara Leão (1942-1989) a música “Grândola,
Vila Morena”, um momento cultural dos mais importantes que vivi até hoje. Antes
das despedidas, a menina-prodígio da música brasileira de então, rematou com
esta frase o que achava do “seu” Zeca: “Um divisor, uma sensibilidade humana
ímpar, um potente anunciador da Liberdade”.
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