Avançar para o conteúdo principal

As touradas e a lucidez de José Pacheco Pereira




Assisti recentemente a um pequeno debate televisivo entre José Pacheco Pereira e Miguel Sousa Tavares. Desse embate resta-me afirmar que o nome em epígrafe continua brilhante e, porque não o dizer, genial, no que concerne ao quesito “tourada”.

Pacheco Pereira “dá um banho” de sensatez durante aqueles poucos minutos de interlocução. O seu colocutor não conseguiu argumentar – como sói acontecer aos amantes dessa atrocidade, pois, o sangue desses pobres animais enublam as suas vistas e carcomem os seus neurónios -, como sempre ocorre.

A ausência de quanto pode sobrevir, na mente do aficionado que contendia o tema, prova que a questão da abolição das touradas, em Portugal, passa por um grande trabalho a ser desenvolvido pelos professores em sala de aula, desde o primeiro ano escolar, para não chegarem a adultos desprovidos de sensibilidade para com o próximo, mesmo que este seja um mamífero de quatro patas.

Enquanto Pacheco Pereira defendia o fim das touradas, Miguel Sousa Tavares buscava comparações (um pouco patéticas) dessa anomalia com a arte em geral, fugindo completamente do tema central, que era: Se o governo deve aumentar a idade mínima do espetador, em praça de touros, dos 12 para os 16 anos.

Chegou a ser cómico, ver Pacheco Pereira (representando a Civilização) a tentar puxar pelo argumento, enquanto, do outro lado, Miguel Sousa Tavares (filho pródigo do Obscurantismo) vociferava, tentando buscar no vazio da sua valia argumentativa uma qualquer frase que o pusesse em cima da moenda, o que nunca aconteceu.

O historiador Pacheco Pereira manteve-se fiel à sua honestidade intelectual, esgrimindo com lógica, tentando mostrar que não se pode manter uma atividade cruel só porque dá emprego a algumas pessoas, ou porque favorece a economia. Há outras áreas profissionais onde se pode arranjar trabalho e a economia jamais poderá sobrepor-se à vida. A tourada não pode ser defendida, deve sim ser abolida, basta, para isso, que se tome consciência de que país, ou planeta, queremos deixar para as gerações que se seguem.

A ética de Pacheco Pereira extravasou para fora da entrevista e reverberou de modo positivo no coração e na alma de todos aqueles que comungam dos seus ideais libertadores.

Pesou do outro lado aquela verborragia monótona, agressiva, e sem sabor, de quem está a repetir cantilenas e falácias, costumeiramente baseadas em ocos discursos, defensores de interesses muito claros e pouco dignos, pois são a montra “tradicional” de uma partitura de sofrimento psicológico e maus-tratos físicos impingidos a seres que, ao serem “atirados” para a praça, não possuem modo de defesa.

Neste momento, a classe política deveria ser chamada à atenção, exigindo que saia de cima do muro, que faça como estes dois comentaristas televisivos, posicionando-se, pois só assim podemos debater, na Assembleia da República, com honestidade, critério e razão, sobre a real e possível abolição da tauromaquia. Algo que deve ser levado seriamente em conta, pois a maioria da população assim o deseja.

Na tauromaquia há sofrimento para os cavalos e para os touros. Há pernície cultural para a grei, prejudicando, assim, intensamente, o nome de Portugal. E mais: Não há democracia enquanto existir uma apologia à barbárie.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Constituição da República Portuguesa

  O Chega e a Iniciativa Liberal querem alterar a Constituição Portuguesa. A Constituição é o documento basilar de uma nação, designando os princípios da estrutura política, dos direitos do cidadão e dos limites dos poderes do Estado. Reformá-la sem um critério equilibrado, amplamente democrático e com consciência por parte de TODAS as forças políticas, pode ter consequências expressivas nos mais variados setores da sociedade, implicando com a organização dos órgãos de soberania (Governo, Presidência e Assembleia da República), prejudicando o relacionamento entre essas entidades e as suas jurisdições; pode lesar, igualmente, os Direitos dos cidadãos, tais como, a liberdade de expressão, o direito à vida, à propriedade, à saúde, à educação etc.; pode alterar o Regime Eleitoral, apartando a população do poder de voto nas eleições Legislativas, Autárquicas e Presidenciais; pode redefinir a disposição e o exercício do poder judicial, levando a um impacto na autonomia, e administração...

Arena Romana nas Caldas da Rainha

Toda a vez que ouço um aficionado das touradas destilar frases de efeito, anunciando que “aquilo” é cultura, ponho-me a pensar num excelente projeto que poder-se-ia executar nas Caldas da Rainha: Construir-se uma Arena Romana. Naturalmente seria um plano muito interessante do ponto de vista “cultural”. As Arenas Romanas estão na história devido à inexorável caçada suportada pelos cristãos primitivos. Praticamente a mesma coisa que acontece com os touros numa praça. São muito conhecidas as crónicas sobre as catervas de animais impetuosos que eram lançados sobre os fiéis indefesos, algo muito semelhante com o que se vê nas liças tauromáquicas. Um touro a mais ou a menos para os aficionados é, praticamente, igual ao sentimento romano: Um cristão a mais ou a menos pouco importa. O que vale é a festa; a boa disposição de quem está nas arquibancadas; as fortunas envolvidas, representando lucros fenomenais para alguns; a bandinha de música, orientada por um maestro bêbad...

José Rui Faria de Abreu

  Existem amigos que, quando partem para os confins do Desconhecido, nos deixam uma lacuna na alma, difícil de preencher. Foi o caso do Faria de Abreu. O primeiro contacto que tive com ele foi em Coimbra, no ano de 2001, quando fui obrigado a levar o meu pai, em consulta oftalmológica, de urgência. Após aquele dia, travamos uma salutar amizade, com vários telefonemas em diversos períodos nos anos que se seguiram, e até inúmeras visitas aquando das minhas várias passagens pela Terra dos Estudantes. Os colegas diziam que ele era o melhor oftalmologista de Portugal, a Universidade de Coimbra tecia-lhe elogios e louvores, os pacientes – o meu pai incluído – diziam que ele era um médico respeitador e dedicado. Eu digo, simplesmente, que ele era uma figura humana sensível, logo, alguém que compreendia o valor da amizade. José Rui Faria de Abreu faleceu na manhã do dia 27 de novembro de 2012 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra , aos 67 anos de idade,...