Avançar para o conteúdo principal

Portugal e a “arte” de destruir a Cultura

 


Este país, definitivamente, não é um bom lugar para se viver. Andamos todos enganados.

Desde o 25 de abril de 1974 que existe uma vocação nata para o menosprezo e para a ruína da Cultura (não quero, com esta afirmação, dizer que antes era melhor), basta conferir os “grandes” projetos que os sucessivos ministérios, secretarias, e demais órgãos culturais nacionais, distritais e concelhios, vão pondo em prática.

Um deles, recente e absurdo, foi a colocação de uma espessa “argamassa” numa parte da histórica escadaria do Mosteiro de Alcobaça, edifício (a primeira obra completamente gótica deste país) cuja construção foi iniciada no ano de 1178 pelos monges da Ordem de Cister, sendo em tempos mais recentes classificado pela UNESCO como Património da Humanidade e nomeado uma das Sete Maravilhas de Portugal.

A péssima escolha, dos consecutivos Governos, para pastas de importância cultural, aliadas à incompetência e à ignorância dos “amigalhaços”, “jotas” e “parentes”, “aprovados em concursos” para diversos setores culturais importantes, levam a uma sucessão de disparates de norte a sul do país.

A Constituição Portuguesa de 1976, no seu Artigo 78, afirma que “incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum.”.

Pergunto, então: Os titulares das pastas (que devem responder pelo restauro desse tipo de edificação) decidiram proceder do modo descrito porque “outros valores maiores se levantaram”, ou foi devido a um grau acentuado de analfabetismo cultural da parte deles?

Ao anunciarem que os degraus seriam revestidos “em dois lances simétricos, junto do muro do varandim, por uma chapa de aço corten (aço patinável?), revestida interiormente por um filme de borracha expandida” e utilizando (para que a tal chapa de aço não fosse colocada diretamente sobre as pedras) “uma argamassa de cal e areia separada da pedra por uma manta de fibra geotêxtil, o que permite que, em qualquer altura, possa ser removida – princípio da reversibilidade”, estão apenas a propagar o modo como “deveria ter sido feito”, não o que “estava a ser feito”, porque o que se viu foi a colocação da dita “argamassa” (que, de modo empírico, faz suspeitar tratar-se de betão) diretamente sobre a pedra secular.

Diversas virgens ofenderam-se quando um deputado da Assembleia Municipal alcobacence se insurgiu contra aquele atentado à escadaria do Mosteiro, e, ao invés de assumirem as culpas, emitiram comunicados “chapa cinco”, e pediram ao exército das comadres (cada uma deve ter o seu tacho num organismo público, e não o quer perder, naturalmente) para defende-los (num vomitar de textos arrogantes, e sem permitir o contraditório, tipicamente resultante de quem não admite ouvir a voz da comunidade).

Após consulta, com reputados arquitetos da nossa praça, conclui-se que existem várias alternativas possíveis, capazes de evitar a celeuma e proteger o património cultural em questão. Meramente a título de exemplo poderia optar-se pela colocação de uma escada em aço inox, com salientada elevação (distante da pedra, portanto), revestida com vidro temperado laminado. O monumento não seria ferido, e os visitantes poderiam continuar a maravilhar-se com a beleza daquela escadaria gasta e disforme.

A Cultura em Portugal é o primo pobre (a pasta que menos interessa aos sucessivos Governos que surgiram após o 25 de abril de 1974) da nação, a classe artística está à míngua, e, como se isso não bastasse, os maus tratos ao Património Histórico Edificado, vem, com o passar dos anos, acentuando-se. E, tudo isto sob o olhar atento das entidades “autorizadas e repletas de especialistas”.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o