A Cultura, neste 2022, dispõe
de um orçamento que continua a representar menos de 0,3% do Orçamento de
Estado. Além desta catástrofe, que atrofia o desenvolvimento intelectual da
população, uma boa parcela dos municípios que conheço contam com fragilíssimos
vereadores na respetiva pasta. Tudo indica que são escolhidos a dedo pelo
presidente da Câmara, não para alavancar o progresso do setor, mas apenas para
“dar emprego a um amigo”.
São inúmeros os casos de inépcia,
basta observar superficialmente (não é necessário “cavar” muito para o
descobrir) o que ocorre nas autarquias do Oeste, para verificarmos o pouco que
a Cultura tem a oferecer.
A Cultura, em todas as suas
ramificações, tornou-se o primo pobre, aquele que não interessa ter por perto,
pois pode denegrir o “bom nome da família”, por isso, entrega-se a pasta a
qualquer um que não faça barulho, siga os protocolos, não peça dinheiro, fale
minimamente o português, e tenha pose, muita pose.
Como exemplo, sito o que se
passa nas Caldas da Rainha, que só consegue ter alguma expressão cultural
porque os artistas locais asseguram a qualidade dos eventos onde estão
envolvidos.
Infelizmente não são todos que
conseguem aguentar-se sem apoios. Devido ao desinteresse em assegurar verdadeiramente
os grandes dons, o concelho tem perdido muitos talentos. Agora é a vez de um
dos melhores ceramistas, de reconhecido valor nacional, sentir necessidade de
mudar o seu ateliê para uma região que o valorize e apoie.
Além disso: Um pouco do teatro
local sobrevive graças ao extraordinário esforço do grupo profissional
existente (não há nenhum tipo de auxílio ao teatro amador, que é completamente
desvalorizado/desconhecido pela vereação da Cultura). As artes plásticas,
coitadas, estão a agonizar (os museus sob tutela da mesma vereação são apenas
depósitos de obras de arte. Não há um programa específico, bem elaborado, para
cada um. Somente o esforço hercúleo da direção e dos funcionários os fazem
“respirar”). A literatura, ronda o miserável, está morta e enterrada (somente
os amigalhaços do poder têm espaço de ação, e são considerados revelantes).
Para piorar, não há um discernimento
acerca de quais as diferenças entre entretenimento e cultura, o que faz a
maioria da população acreditar que um certame com cavalos, ou uma tourada, são
eventos culturais.
Analisando a situação com
transparência e correção vemos que a questão geral prende-se a um pensamento de
André Malraux (1901-1976): “A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e
de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado”.
Pois é exatamente aqui que dorme o problema: Quanto mais inculto e menos esclarecido,
maior a possibilidade do ser humano ser um escravo do poder. É triste, pois estamos
a viver, na Cultura, uma fase muito pior do que aquela que se via durante o
Estado Novo (1933-1974).
Para ilustrar: Quando o Dr.
António de Oliveira Salazar (1889-1970) nomeou António Ferro (1895-1956) para
comandar o destino do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), fê-lo devido
ao profundo conhecimento cultural do escolhido, pois o prestigiado intelectual
era escritor de renome, jornalista, conferencista, diretor das revistas
“Ilustração Portuguesa” e “Orpheu”, criador do “Teatro Novo” (Lisboa) e,
posteriormente, diretor da Emissora Nacional.
Atualmente, os vereadores da
Cultura ostentam roupa de marca, nariz empinado, diversos diplomas espetados na
parede, e um tremendo pastiche intelectual. São raros os que possuem
conhecimento para estar à frente de tão importante pelouro.
José Ortega y Gasset
(1883-1955) continua com muita razão: “A Cultura é uma necessidade
imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência
humana, como as mãos são um atributo do homem”.
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