No recente dia 14 de maio, no
Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, ocorreu a estreia de “O Filho da Rainha e
a Mãe do Rei”, de autoria do poeta e teatrólogo Cássio Junqueira.
Um texto admirável, amparado
por acentuada emoção e sublinhado ritmo, encenado pelo excelente Cássio Scapin,
e interpretado por Luísa Ortigoso e Beto Coville.
A trama: D. João VI (1767-1826),
“o Clemente” e a Rainha D. Maria I (1734-1816), “a Piedosa”, vivem um delicado
momento, que é o da Primeira Invasão Francesa de Portugal (1807), emoldurada
pela ação expansionista de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Devido ao melindre
da circunstância o diálogo entre os dois monarcas ocorre em variados tons,
alternando o afável, o rabugento, o irascível, o amoroso e, até, o
desequilibrado (graças aos arroubos alucinados que pairavam na mente da
Rainha).
D. João VI insistia na
necessidade da partida da família Real para o Brasil-Colônia. A Rainha
detestava a ideia, principalmente por ter sido ela a responsável pelo bárbaro
assassinato de Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier, 1746-1792), o notável
herói da Inconfidência Mineira (quando a Monarquia portuguesa soube da
conspiração separatista que avançava na Capitania de Minas Gerais, contra o
cumprimento da derrama - um exagerado mecanismo fiscal - o jugo português
apressou-se a mandar prender e matar o líder do movimento).
“Aquele homem, Tiradentes!
Aquela execução! Eu assinei a sentença. Mandei que matassem aquele homem na
Colónia…”
D. João VI, por diversas vezes,
instiga a Rainha a tentar perceber o que se passa à sua volta, porém, ele
próprio demonstra alguma instabilidade psicológica, notadamente acentuada
quando se refere a Carlota Joaquina, e ao seu desejo de a matar.
“Quantas maldições sobre os
Bragança… Se ao menos os crimes dos meus antepassados me ajudassem a criar
coragem para cometer o meu crime, sempre adiado, para me livrar de uma vez por
todas de Carlota Joaquina.”
A capacidade histriónica de
cada personagem, em determinados momentos, também salta à vista, bem como os
registos amorosos entre mãe e filho, como a cena em que D. João VI atira-se ao
colo da mãe, numa clara exibição de saudosismo maternal.
O figurino, assinado por Fábio
Namatame, é deslumbrante. Não é à toa que o artista é o mais requisitado figurinista
da cidade de São Paulo.
A cenografia de Eurico Lopes é
criativa e perspicaz. Tendo como princípio cénico detalhes de obras pictóricas
de Tarsila do Amaral e Amadeo de Sousa Cardoso.
Notável, também, o jogo de
espelhos, mostrando difusamente a alma das personagens, e o seu modo de
articular/enlear a intriga.
“O Filho da Rainha e a Mãe do
Rei” percorrerá outras cidades portuguesas e espontaneamente chegará ao Brasil.
Não tenho dúvidas de que, em todas as vertentes, é um espetáculo merecedor de diversos
prémios e aplausos exacerbados. Um drama ficcional, baseado em duas grandes
personagens que viveram um período histórico muito delicado e, como se pode imaginar,
deixaram-se enrodilhar pela trama do poder, colocando, inclusive, em perigo um
sentimento superior.
Teatro Maior. Palmilhando as consciências. Destacando laços aproveitáveis para a compreensão e a observação estética. Um luxo!
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Fotografia: @daniel.fernandes.73700
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