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Cobranças censuráveis

 

Depois de uma série de “observações e estudos no terreno”, pude perceber o descaso que toma conta de diversos pontos do concelho de Caldas da Rainha. Um dos locais perscrutados foi o do Cemitério de N. S. do Pópulo (em frente à antiga Secla), que se encontra, intramuros, muito mal tratado.

Aliás, a arrogância, no que concerne à cobrança de taxas camarárias, atinge aquele local, pois, para colocarmos uma simples placa de mármore ou granito, identificando os nossos entes queridos que ali repousam, somos obrigados a pagar uma determinada quantia à Câmara Municipal, que, independente do valor, é desumano, neste momento de crise, em que muitas famílias estão, literalmente, com a corda no pescoço. Além de inflacionar o que já nos custou muito caro (a aquisição do terreno, a compra e instalação da campa ou jazigo, etc.). Somos obrigados a arcar com todas as despesas para construção e manutenção de uma tumba e ainda nos atiram com uma desagradável cobrança. Não tarda, seremos também forçados a pagar taxas para assentar vasos e flores sobre os sepulcros.

Para cobrar dos cidadãos, a Câmara Municipal está sempre pronta. Porém, e a manutenção efetiva do cemitério? Somente a entrada e a parte exterior são alvos de tratamento? O executivo camarário vai culpabilizar as pessoas, dizendo que é delas o encargo por conservar cada metro quadrado que possuem? Se é assim, todas as taxas camarárias, referentes àquele local, deveriam deixar de existir. Sejamos justos.

O que o vereador que possui a pasta dos cemitérios tem a dizer? Qual a posição dos deputados municipais? E os Srs. presidente da Câmara Municipal e o presidente da União de Freguesias de N. S. do Pópulo, Coto e São Gregório? Vão manter o jogo de empurra, atirando responsabilidades uns para os outros?

É visível, por parte dos responsáveis camarários, a falta de planeamento, a ausência de intenção em colocar espaços verdes (sombras são necessárias) e o pouco interesse em honrar os nossos antepassados, ali sepultados. Não se trata de “dar conforto aos mortos”, mas sim de criar condições para dignificar as suas memórias.

Pelo significado de dever, que existe para com a história construída por cada pessoa ali sepultada, a Câmara Municipal deveria elaborar um plano de requalificação dos talhões, ossários e demais dependências, efetivando, em conclusão, um real enquadramento descritivo desse local.

Gerir, técnica e administrativamente, esse cemitério não é fácil, pois a burocracia, a ganância e o descaso dos políticos, impede a sua revitalização, o aumento dos ordenados dos trabalhadores (coveiros) e, obviamente, uma adequação do recinto aos moldes contemporâneos, existentes já em outros espaços cemiteriais do planeta.

Inclusive, a sociedade deveria debater quais as melhorias que se podem efetuar nas suas características arquitetónicas e urbanas relacionadas com o entorno. Pois um cemitério não deve ser somente um lugar de dor e desconsolo, pode, similarmente, ser um local de expressão arquitetónica e artística, de particularidades capazes de contar a história da cidade, como o são o Green-Wood (Nova Iorque, EUA), o Cimitirul Vesel (Sapanta, Romênia), o Recoleta (Buenos Aires, Argentina), o Père-Lachaise (Paris, França), o Consolação (São Paulo, Brasil), o São João Baptista (Rio de Janeiro, Brasil) e o Prazeres (Lisboa).

Há um estudo muito interessante (cujo PDF posso enviar a quem mostrar interesse), de autoria da arquiteta Luísa Araújo Zucchi, que aborda, especificamente, a questão da “ressignificação de áreas verdes em cemitérios…”, cujo título é curioso: “Lugares de Respiro”. Se algum vereador ou deputado tomasse conhecimento do seu conteúdo, certamente, aprenderia algumas coisas e poderia ter um pouco mais de vontade em olhar para o Cemitério de N. S. do Pópulo “com olhos de ver”. Não me parece que o façam, pois a maioria lê apenas o talão do multibanco.

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