Avançar para o conteúdo principal

O Parque D. Carlos I entre aromas e cores




O tempo passa e as memórias vivas permanecem. Conheci o Parque D. Carlos I no ano de 1975, quando cheguei a Portugal, vindo da Cidade Esmeralda (Luanda). Desde aquele ano, até aos nossos dias, muita coisa mudou naquele recinto, especialmente a graça e a beleza.

Aquele espaço era, praticamente, um santuário ecológico. Multicolorido, com surpreendentes canteiros, transbordantes das mais diversas espécies de flores e plantas, literalmente para todos os gostos; a relva, sempre verde; as alamedas muito bem cuidadas e asseadas; o lago reluzente, de tão limpo; os pavilhões ocupados, e em cuidado permanente; a Casa da Cultura “a ferver”, com inúmeros eventos a sucederem-se. Sim: O Parque D. Carlos I era motivo de vaidade. Caldas da Rainha era uma cidade de Cultura! Reconhecida por todo o país, como tal.

Talvez, caro amigo e leitor, ainda tenha alguma reminiscência do canteiro que ostentava o brasão da cidade. Consegue lembrar-se? Que primor. Que orgulho para os caldenses. O Sr. Tobias e um outro senhor, cujo nome, infelizmente, não me recordo, eram os jardineiros, ambos, extremados e com um inexcedível esmero, cuidavam de todo o local com uma paixão inacreditável.

Vem-me à lembrança, também, as feiras da Fruta e da Cerâmica, que ocupavam diversas alamedas, porém, nunca invadindo os canteiros, não danificando, portanto, os espaços verdes.

As genetas, os ouriços-cacheiros, os musaranhos, as toupeiras, os morcegos, entre outras espécies, ocupavam toda a área do fundo do parque (aquela que fica próxima das antigas instalações da Fábrica Bordalo Pinheiro) e, de vez em quando, era possível ver algum desses espécimes em outros recantos daquele belíssimo espaço verde. 

Era notoriamente visível o cuidado com a preservação do Parque D. Carlos I e com a sua diversidade ambiental. Aliás, existia, inclusive, um projeto de ampliação, com a conversão e a aquisição de terrenos e áreas abandonadas, existentes em seu entorno, e que, se fosse feito, estenderia, de modo exponencial, o pulmão verde das Caldas da Rainha (onde a Mata Rainha D. Leonor estaria incluída também).

O Prof. Frances Kuo, da Universidade de Illinois, desenvolveu uma série de estudos “sobre os efeitos das árvores, das plantas e do paisagismo nos parques e áreas públicas |…| as pessoas têm relações mais felizes e melhor desempenho quando vivem em bairros mais arborizados. Acreditam que viver perto de espaços limpos, bem cuidados e conservados é essencial para a melhora do estado físico, psicológico e bem-estar social, criando uma atmosfera mais civilizada, incentivando uma reação em cadeia positiva |…| as cidades precisam dar total atenção aos seus espaços verdes, contribuindo de forma considerável para a melhora de vida da população em geral. Além do facto de que áreas verdes bem cuidadas contribuem para o meio ambiente e embelezam a cidade.”

O Parque D. Carlos I, atualmente, não possui um projeto paisagístico; um programa de proteção de espécies; uma catalogação de castas. Os seus monumentos estão negligenciados; os canteiros cinzentos, sem rega adequada; as árvores pejadas de fungos; os Pavilhões e a Casa da Cultura num inconsolável abandono.

Por isso, evocar aquele momento, do ano de 1975, é trazer à tona uma memória saudável. Com a janela da alma a recordo! Quisera que muitos soubessem do que digo, mas, não sabem, pois já não há canções de amor, somente um parque esquálido, alimentado pelos desnortes da publicidade barata das redes sociais. Paz à sua alma, meu caro Rodrigo Berquó.

Comentários

Anónimo disse…
Pois hoje virou o parque das drogas ;)

Mensagens populares deste blogue

Um jardim para Carolina

Revolucionária e doce. O que mais posso dizer de ti, minha querida Carolina? Creio que poucos extravasaram tão bem, tão literariamente, tão poeticamente, as suas apoquentações políticas. Vivias num estado febricitante de transbordamento emocional, que o digam os teus textos – aflitos – sobre as questões sociais ou, no mais puro dos devaneios sentimentais, as tuas observações sobre a música que te apaixonava. O teu perene estado de busca pelo – quase – inalcançável, fazia-nos compreender como pode ser importante a fortaleza de uma alma que não se verga a modismos ou a chamamentos fúteis vindos de seres pequenos. E por falar em alma, a tua era maior do que o teu corpo, por isso vivias a plenitude da insatisfação contínua. Esse espírito, um bom daemon , um excelente génio, que para os antigos gregos nada mais era do que a Eudaimonia , que tanto os carregava de felicidade, permitindo-lhes viver em harmonia com a natureza. Lembro-me de uma conversa ligeira, onde alinhava

Obrigado!

  Depois de, aproximadamente, seis anos de colaboração com o Jornal das Caldas, chegou o momento de uma mudança. Um autor que não se movimenta acaba por cair em lugares-comuns. O que não é bom para a saúde literária da própria criação. Repentinamente, após um telefonema recebido, vi-me impelido a aceitar um dos convites que tenho arrecadado ao longo do meu percurso. Em busca do melhor, o ser humano não pode, nem deve, estagnar. Avante, pois para a frente é o caminho, como se costuma dizer, já de modo tão gasto. Sim, estou de saída. Deixo para trás uma equipa de bons profissionais. Agradeço, a cada um, pelos anos de convívio e camaradagem. Os meus leitores não deverão sentir falta. Mas se por acaso isso vier a acontecer, brevemente, através das minhas redes sociais, saberão em que folha jornalística estarei. Por enquanto reservo-me à discrição, pois há detalhes que ainda estão a ser ultimados. A responsabilidade de quem escreve num jornal é enorme, especialmente quando se pr

O Declínio das Fábulas - I

  Em poucos dias, o primeiro volume do meu novo livro “O Declínio das Fábulas” chegará a todas as livrarias portuguesas. Esse tomo reúne uma série de temas que reverberam o meu pensamento nas áreas da cultura, da arquitetura, da mobilidade, etc. para uma cidade como Caldas da Rainha. O prefácio é de autoria da jornalista Joana Cavaco que, com uma sensibilidade impressionante, timbra, assim, o que tem constituído o trabalho deste que vos escreve. Nele, há trechos que me comoveram francamente. Outros são mais técnicos, contudo exteriorizam um imenso conhecimento daquilo que venho produzindo, por exemplo: “É essa mesma cidade ideal a que, pelo seu prolífico trabalho, tem procurado erguer, nos vários locais por onde tem passado, seja a nível cultural ou político. Autor de extensa obra, que inclui mais de sessenta livros (a maior parte por publicar) e um sem fim de artigos publicados em jornais portugueses e brasileiros, revistas de institutos científicos e centros de estudos, entre o