Avançar para o conteúdo principal

Da Capela do Espírito Santo à Igreja da Misericórdia




A Igreja da Misericórdia, em Óbidos, considerada a primeira obra de arte desse ciclo arquitetónico em Portugal, foi fundada em 1511 pela Rainha D. Leonor de Lencastre (1458-1525), no mesmo edifício onde estava instalada a Capela do Espírito Santo, de estilo Manuelino, e que incorporava o Gótico Tardio com componentes Renascentistas.

Em 1580, iniciam-se as obras que, de modo determinante, dariam àquela Igreja um precursor cunho Barroco (no resto da Europa, onde imperava o sistema político Absolutista, esse importante período tem início, somente, por volta de 1600). Essa empreitada é dada por concluída aquando da instalação, em 1596, do púlpito em pedra lavrada, ornamentado por volutas e cartelas, ostentando na base um singular urnário para arrecadação de donativos.

Na segunda década do século XVII, por volta do final de 1622, necessitando de distintos reparos, foi encerrada à visitação pública. Sendo, nessa ocasião, agraciada com diversas modificações de vulto, especialmente no seu interior. Este, de uma só nave, achou-se revestido de azulejos amarelos e azuis, entre 1625 e 1630, recebendo, também, um relevante combo de talha maneirista constituído por cadeiral, tribuna dos mesários e retábulos.

É de destacar o painel da capela-mor, autenticado ao entalhador Manuel das Neves (Séc. XVII), sob traço de João da Costa (Séc. XVII), que sustenta duas belas telas de autoria de André Reinoso (1590?-1641): “A Visitação da Virgem a Santa Isabel” e “Pentecostes”, ambas datadas de 1628-1630. Admiravelmente talhados estão, também, os colaterais, de autoria do mestre Manuel das Neves, dourados por Belchior de Matos (1595-1628), e que acolhem as imagens de Nossa Senhora das Dores e do Senhor dos Passos, ambas coroadas com “Cristo a caminho do Calvário” e “O Descimento da Cruz”, óleos de André Reinoso.

Já o exterior receberia, no ano de 1623, as belas portas de madeira, que ainda ostenta, consumadas por um nicho com a representação d’“A Virgem com o Menino”, em cerâmica. Crê-se que a produção desta peça seja entre os anos de 1665 a 1680.

No século XVIII, a Igreja da Misericórdia recebe novos melhoramentos (sendo, inclusive, gravada na sua fachada a data 1744), entre eles está a instalação do Escudo Real no cimo do portal; e outro, análogo, sob o arco triunfal; além do adito da pintura que jaz acima deste. Acrescentou-se, também, um conjunto de dois armários laterais na capela-mor; um soberbo Cristo Crucificado, de origem espanhola; as imagens: “A Virgem com o Menino”, “Santo António” e São José”.

A nave recebeu, igualmente, benefícios: Um novo acabamento no teto, incluindo um escudo com as armas reais ao centro; e uma laje tumular armoriada, onde estão depositados os restos mortais da Sra. D. Luísa Ghera, Condessa de Ghera e de Cavaleiros (?-1748) e de seu marido D. Gregório Ferreira de Eça (Séc. XVIII), Décimo-sexto Senhor da Antiga Casa de Cavaleiros.

Devo referir aqui que, além das personalidades acima citadas, estão sepultados na Igreja da Misericórdia de Óbidos, o provedor e prior João Tinoco Vieira (Séc. XVII), o provedor e beneficiado Faustino das Neves (1615-1689), bem como diversos confrades, não identificados, do Divino Espírito Santo.

Anexo à Igreja está o antigo Hospital da Misericórdia, sob tutela da Irmandade da Santa Casa, que ostenta uma belíssima Sala de Sessões, de opíparo ornato barroco.

A Igreja da Misericórdia é Monumento Nacional desde 1951.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Constituição da República Portuguesa

  O Chega e a Iniciativa Liberal querem alterar a Constituição Portuguesa. A Constituição é o documento basilar de uma nação, designando os princípios da estrutura política, dos direitos do cidadão e dos limites dos poderes do Estado. Reformá-la sem um critério equilibrado, amplamente democrático e com consciência por parte de TODAS as forças políticas, pode ter consequências expressivas nos mais variados setores da sociedade, implicando com a organização dos órgãos de soberania (Governo, Presidência e Assembleia da República), prejudicando o relacionamento entre essas entidades e as suas jurisdições; pode lesar, igualmente, os Direitos dos cidadãos, tais como, a liberdade de expressão, o direito à vida, à propriedade, à saúde, à educação etc.; pode alterar o Regime Eleitoral, apartando a população do poder de voto nas eleições Legislativas, Autárquicas e Presidenciais; pode redefinir a disposição e o exercício do poder judicial, levando a um impacto na autonomia, e administração...

Arena Romana nas Caldas da Rainha

Toda a vez que ouço um aficionado das touradas destilar frases de efeito, anunciando que “aquilo” é cultura, ponho-me a pensar num excelente projeto que poder-se-ia executar nas Caldas da Rainha: Construir-se uma Arena Romana. Naturalmente seria um plano muito interessante do ponto de vista “cultural”. As Arenas Romanas estão na história devido à inexorável caçada suportada pelos cristãos primitivos. Praticamente a mesma coisa que acontece com os touros numa praça. São muito conhecidas as crónicas sobre as catervas de animais impetuosos que eram lançados sobre os fiéis indefesos, algo muito semelhante com o que se vê nas liças tauromáquicas. Um touro a mais ou a menos para os aficionados é, praticamente, igual ao sentimento romano: Um cristão a mais ou a menos pouco importa. O que vale é a festa; a boa disposição de quem está nas arquibancadas; as fortunas envolvidas, representando lucros fenomenais para alguns; a bandinha de música, orientada por um maestro bêbad...

José Rui Faria de Abreu

  Existem amigos que, quando partem para os confins do Desconhecido, nos deixam uma lacuna na alma, difícil de preencher. Foi o caso do Faria de Abreu. O primeiro contacto que tive com ele foi em Coimbra, no ano de 2001, quando fui obrigado a levar o meu pai, em consulta oftalmológica, de urgência. Após aquele dia, travamos uma salutar amizade, com vários telefonemas em diversos períodos nos anos que se seguiram, e até inúmeras visitas aquando das minhas várias passagens pela Terra dos Estudantes. Os colegas diziam que ele era o melhor oftalmologista de Portugal, a Universidade de Coimbra tecia-lhe elogios e louvores, os pacientes – o meu pai incluído – diziam que ele era um médico respeitador e dedicado. Eu digo, simplesmente, que ele era uma figura humana sensível, logo, alguém que compreendia o valor da amizade. José Rui Faria de Abreu faleceu na manhã do dia 27 de novembro de 2012 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra , aos 67 anos de idade,...