Avançar para o conteúdo principal

Dos Mistérios e Sagrações na intimidade do Castelo




Sopram-me aos ouvidos ventos de telúricas passagens. São cânticos entoados por velhas virgens ressabiadas, nervosas, com o facto de nunca as terem mimado entre ilusões.

Desde séculos muito remotos que aquelas terras repetem ecos formidáveis. Sendo, inclusive, coscuvilhice entre as pedras que formaram os primeiros tempos, toda uma história de batalhas ensandecidas, pontuadas por misérias humanas e violentas dores de amores. Um misto do Mal e do Bem, na mais íntima das artes dos sofrimentos e das tentações.

As bestas e o trabuco (uma arma de cerco, semelhante a uma catapulta), assim que surgiram, passaram a ser constantes para a defesa de toda essa região.

Óbidos era apenas um amontoado de pedras; Verdes pastagens - onde desavisados animais perambulavam sem licença pedirem, tal era o à vontade com que se locomoviam -; E um soberbo manancial de água.

Com o trotar das idades, seria, futuramente, instalada nas cercanias toda uma herança romana, muçulmana e cristã: Núcleos cronologicamente reconhecidos. Detentores de uma génese que permaneceu pelas décadas, como origem de tipos humanos, uns muito bárbaros (nômades ou seminômades do norte da Europa), outros nem por isso. Acredita-se num singrar de línguas, entre o latim, o espanhol, o catalão e o galaico-português, a pervagar solitariamente (ou não) em busca de conforto para a alma e linfa para os pés.

E, se atentarmos ao castelo, percebemos que - como essa testemunha fiel de todas as nuances territoriais, e de todos os ancenúbios físicos que floresceram no pós aglomerado de pedras; Verdes pascigos; E um orgulhoso manadeiro de água - veio dos sonhos da Idade Clássica. Se considerarem as arestas trapezoidais das muralhas, verão que o que digo é correto.

Aquelas velhas e melífluas paragens possuem, atualmente, um Cruzeiro da Memória, o sensato indício da subsistência de um arcaico cerco. Sem ele, talvez dúvidas existissem, acerca do que se prostrara ali em tempos idos. Mais do que isso, garantias não há, no que trata ao acampamento de D. Afonso Henriques (1106, 1109 ou 1111-1185), portanto, limitamo-nos ao acreditar de cada um.

Aquele ser de pedra, prostrado em aprazível e estratégico monte - crê-se que por sobre as ruínas mouras de uma construção defensiva - data de antes do início da nacionalidade. Um cheiro doce-amargo do que fora a Reconquista Cristã, facultou, então, a sua edificação, marcando, de modo indelével, a história dos ali nascidos, bem como, daqueles que, por obra do mero acaso, por ali se deslocam pelos séculos afora.

Se há islamismos (Cerca Velha, características estruturais, torre albarrã, talhe no afloramento calcário, implantação topográfica) ou cristandades (especificações da muralha, contiguidade da repartição administrativa, intercisão do sistema viário, disposição do casario) a envolver as diversas fases de construção do monumento, não discutimos com quem sabe.

O que desconfiamos é de que, antes e após o surgimento do muramento, os sons esvoaçavam por toda a região, ora no canto dos pássaros, ora nos astutos menestréis que entoavam originais de Pero Gonçalves de Portocarreiro (Séc. VII), Josquin des Prez (1450-1521), Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), Giovanni Gabrieli (1555/1557-1612), entre outros.

E os ventos. Pois, ainda me sopram aos ouvidos inúmeras agitações de terrenas desobediências. Odes, solfejadas por castas, melindradas e impacientes anciãs, padecentes mulheres nunca amimadas entre quimeras.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Constituição da República Portuguesa

  O Chega e a Iniciativa Liberal querem alterar a Constituição Portuguesa. A Constituição é o documento basilar de uma nação, designando os princípios da estrutura política, dos direitos do cidadão e dos limites dos poderes do Estado. Reformá-la sem um critério equilibrado, amplamente democrático e com consciência por parte de TODAS as forças políticas, pode ter consequências expressivas nos mais variados setores da sociedade, implicando com a organização dos órgãos de soberania (Governo, Presidência e Assembleia da República), prejudicando o relacionamento entre essas entidades e as suas jurisdições; pode lesar, igualmente, os Direitos dos cidadãos, tais como, a liberdade de expressão, o direito à vida, à propriedade, à saúde, à educação etc.; pode alterar o Regime Eleitoral, apartando a população do poder de voto nas eleições Legislativas, Autárquicas e Presidenciais; pode redefinir a disposição e o exercício do poder judicial, levando a um impacto na autonomia, e administração...

Arena Romana nas Caldas da Rainha

Toda a vez que ouço um aficionado das touradas destilar frases de efeito, anunciando que “aquilo” é cultura, ponho-me a pensar num excelente projeto que poder-se-ia executar nas Caldas da Rainha: Construir-se uma Arena Romana. Naturalmente seria um plano muito interessante do ponto de vista “cultural”. As Arenas Romanas estão na história devido à inexorável caçada suportada pelos cristãos primitivos. Praticamente a mesma coisa que acontece com os touros numa praça. São muito conhecidas as crónicas sobre as catervas de animais impetuosos que eram lançados sobre os fiéis indefesos, algo muito semelhante com o que se vê nas liças tauromáquicas. Um touro a mais ou a menos para os aficionados é, praticamente, igual ao sentimento romano: Um cristão a mais ou a menos pouco importa. O que vale é a festa; a boa disposição de quem está nas arquibancadas; as fortunas envolvidas, representando lucros fenomenais para alguns; a bandinha de música, orientada por um maestro bêbad...

José Rui Faria de Abreu

  Existem amigos que, quando partem para os confins do Desconhecido, nos deixam uma lacuna na alma, difícil de preencher. Foi o caso do Faria de Abreu. O primeiro contacto que tive com ele foi em Coimbra, no ano de 2001, quando fui obrigado a levar o meu pai, em consulta oftalmológica, de urgência. Após aquele dia, travamos uma salutar amizade, com vários telefonemas em diversos períodos nos anos que se seguiram, e até inúmeras visitas aquando das minhas várias passagens pela Terra dos Estudantes. Os colegas diziam que ele era o melhor oftalmologista de Portugal, a Universidade de Coimbra tecia-lhe elogios e louvores, os pacientes – o meu pai incluído – diziam que ele era um médico respeitador e dedicado. Eu digo, simplesmente, que ele era uma figura humana sensível, logo, alguém que compreendia o valor da amizade. José Rui Faria de Abreu faleceu na manhã do dia 27 de novembro de 2012 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra , aos 67 anos de idade,...