Em uma de minhas incursões pelo concelho de Óbidos detive-me largo tempo naquele que poderia ser o seu mais importante rosto turístico: A Cidade Romana de Eburobrittium. Infelizmente, em “avançado estado de decomposição”.
Aquele cadáver, exposto a céu
aberto, reflete o pouco caso da Câmara Municipal local pelo seu património
cultural. Apesar da própria investir largamente numa lengalenga poeirenta e
bafiosa, que enxameia a imprensa escrita e falada, com informações que dão a
entender que é um reduto de cultura arrimado por “mentes superiores”, quando o
que se vê realmente é exatamente o contrário. Se retirarmos o marketing festivaleiro nada se aproveita
na cultura obidense.
O povo acredita que
entretenimento é cultura, e os políticos de plantão aproveitam-se dessa
estreiteza de conhecimento para oferecerem a degustação de nada, acompanhado de
pão cediço e vinho a martelo.
Óbidos é uma Vila marcada pela
sua Muralha, um símbolo belíssimo de Portugal, e poderia ser uma região
reverenciada na Europa se a Cidade Romana de Eburobrittium fosse alvo de um honesto
tratamento arqueológico, colocando a nu todas as nuances representativas de uma
das épocas mais incontestes do nosso planeta.
O local para a sua construção
não foi escolhido por acaso. Rezam as crónicas antigas que o principal
responsável pelo traçado foi o arquiteto e engenheiro Marcus Vitruvius Pollio
(80 a. C – 15 a. C.), coadjuvado por uma pequena equipa de arquitetos que
compreenderam a importância da proximidade da serra de Montejunto, das águas do
oceano Atlântico e de um grupo razoável de veios de água termal, para ali
elevarem tal empreendimento.
Mas, esse acontecimento não
poderia ter ocorrido sem a perspicácia dos peritos de prospeção de terras que,
muito antes, por ali andaram a investigar os terrenos (numa época cujas
técnicas de pesquisa de solos era demasiado rústica), resultando do seu
meticuloso trabalho a edificação daquele complexo conjunto arquitetónico.
Além do fórum, dos armazéns, de
uma basílica, de um generoso pórtico, do cartório, e da tesouraria, é possível
perceber um compartimento circular, provavelmente o local exato para os banhos.
As termas eram consideradas um componente necessário da afabilidade romana, um
local onde se confraternizava e discutia-se, serenamente, os assuntos mais
delicados.
Eburobrittium seguiu, em parte,
o plano das cidades romanas, tendo em vista satisfazer as indispensabilidades
administrativas e religiosas do seu povo, pois, como podemos perceber, o fórum
e a basílica estão no seu ponto central, dali emergindo as principais vias,
onde foram erguidas outras edificações de cariz relevante: Os conjuntos
públicos e os equipamentos básicos de abastecimento de água e de escoamento de detritos.
Refiro “em parte” porque é
muito clara a importância das termas para a administração romana, por isso a
sua estratégica construção, ocorrida em área proeminente da urbe.
Com certeza, a célula principal
do Império era a cidade, portanto, o que havia de mais notável nela era meticulosamente
cuidado, e organizado, de acordo com todos os paradigmas urbanísticos
estabelecidos pela soberania romana.
Em Eburobrittium o cardo
(direção norte-sul) e o decumanos (direção este-oeste) definiram traçados urbanos
de relevo, como se de uma cidade grande se tratasse. Essa preponderância foi
devida à existência das águas termais, uma riqueza ímpar que os romanos
souberam honrar.
Eburobrittium foi, em meu
entender, um caso excecional de planificação urbanística, mas, agora, em
vertiginosa degradação, não passa de uma memória semidestruída pela ação
predatória dos maus políticos.
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