Minha querida Mãe,
Venho, através desta, dar-te os
parabéns pelos 90 anos de idade, que agora completas. Sem dúvida, uma valiosa terrenal
idade, apoiada em toda a experiência acumulada na Terra e no Céu.
O 7 de julho, dia dos teus anos,
nunca mais foi o mesmo depois de 2001, mas, acredita, venho fazendo o possível
para navegar calmamente nas águas que me foram destinadas.
Por aí, nesse recanto
ensolarado, de almas sãs, deves estar a rever os amigos, pois, de Santos, de
São Paulo, de Lisboa e das Caldas da Rainha, tantos foram ao teu encontro
nestes recentes anos. E os parentes? Sim, muitos também. Mas, a morte é a nova
vida da alma, um retorno àquilo que fomos, e seremos pelo infinito que nos
aguarda. Não há que ter medo. Basta-nos ter respeito.
Poderia, aqui, falar-te acerca
de alguns dos filósofos que explanaram sobre a morte: Platão (428-347 a-C.).
Epicuro de Samos (341 a. C.-271 ou 270 a. C.), Arthur Schopenhauer (1788-1860),
Friedrich Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976), ou Michel de
Montaigne (1533-1592), mas, sei que não vale a pena, pois eles por aí andam, a
alargar o leque acerca dos temas que movem a existência, inclusive esse, tão
mal recebido pela Humanidade, devido ao medo do epílogo.
Como podes ver, a tua neta está
linda. Tem um gosto especial por determinados autores, que lê avidamente. Na
música é como tu, possui ouvido absoluto e um timbre vocal delicioso. Agora,
dedica-se, também, ao desenho e à pintura, não há dia que passe em branco.
Recentemente comprei-lhe mais dois
volumes de uma coleção literária de que gosta, adquiri, também, mais um LP do
génio de Bonn (a sua coleção de Beethoven (1770-1827) é impressionante,
faltando-lhe, creio, apenas trinta composições para ter toda a sua produção).
O pai vai muito bem, já está
plenamente recuperado do enfarto agudo do miocárdio, o que lhe permite
regressar a determinadas rotinas. Tudo muito devagar, como convém.
No mais, o dia-a-dia segue uma senda
abençoada, com muito trabalho e visões de futuro. Firmei contrato com outra editora,
felizmente, e, já com certezas de publicação, breve, de seis títulos (três
romances, um ensaio, um livro sobre Óbidos e outro sobre as Caldas).
Da política não vale a pena
contar-te nada, pois, como bem sabes, é um terreno muito pantanoso, com muitas
traições e falsidades. Estamos a viver um momento difícil, pois, há muitos medíocres
a avançar grotescamente, eleição após eleição.
O que posso dizer-te sobre a
Pandemia que assola o planeta? Apenas isto: O ser humano não merece a Terra que
recebeu. E, o pior, pouco aprenderá com o atual flagelo, aliás, é exatamente
como no passado, onde não assimilamos nada com as outras epidemias. A estupidez
continua a ser irmã da farsa e do engodo. Assim, não vamos a lado nenhum.
Tenho curiosidade para saber se
por aí também há a atroz inveja que corrói o ser humano. Isto aqui é
impressionante. Felizmente, com certa agilidade, apesar de algum peso
adquirido, vou desviando das abomináveis flechas que, todos os dias, tentam
atingir-me. Aliás, acredita, até me divirto com essa gente. Para o filósofo
alemão Eric Voegelin (1901-1985): “Ao invés de uma elite, eles formam uma ralé
que acredita que a realidade está a seus pés”, e isso conforta-me, pois, sei
exatamente o que são e o que conseguem produzir, já o contrário é impossível.
E, por falar em pensadores,
termino esta missiva, desejando-te muita Luz, amparada pelos filhos de Kardec
(1804-1869), e protegida pelo nosso Deus de Bondade. Vou continuar a navegar
com tranquilidade, tendo a certeza de Schopenhauer: “A morte é a musa da
Filosofia”. Com muito amor, teu filho
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Ps. Quando sair o teu próximo livro, diz alguma coisa.
P.S. - Olhei para a fotografia da tua mãe e vi a Estela.
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