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Cultura: A Independência de um povo

 

Em 2024, o maior dos nomes da cultura portuguesa completará cinco séculos. Por todo esse tempo, a sua obra-maior continua a ecoar além-fronteiras, enquanto, em Portugal, o seu nome vai sendo tapado com um diáfano véu.

Esse homem, fundamental para a Língua Portuguesa, carrega em si o peso de um idioma. Sem ele, tudo seria diferente, mais pobre, muito mais pobre.

O seu nome, quando é pronunciado, chega como uma aurora boreal, que nos espanta e enternece.

Durante os quatro anos deste mandato, tenho falado de Luís de Camões aos fregueses de N. S. do Pópulo, do Coto e de São Gregório. Tenho, também, tentado perceber que povo é este, o que quer, o que sonha, o que realiza, e, já agora, de que modo esta União de Freguesias pode ajudá-lo a ter mais esperança, mais conforto, menos solidão. Sim. SOLIDÃO!

Encontrei famílias muito interessantes, umas mais, outras menos, numerosas. Em todas, por incrível que possa parecer, reside a solidão.

Às vezes pensamos que o que mais desejam é o passeio bem arranjado; o asfalto, ou o empedrado, de qualidade; a praça com flores; o coreto com música; os cafés com os jornais diários… Ledo engano.

Numa época como esta, onde as comunicações correm a uma velocidade extraordinária - levando para todos os lados as palavras mais sinceras e as mentiras mais absurdas – o que mais esta nossa população deseja é que lhe seja permitido conversar. Ouvir e falar nunca foi tão importante e tão imprescindível como agora.

Este é o período em que Luís de Camões é mais necessário. Este autor, o poeta renascentista mais relevante que conhecemos, tem em suas palavras o dom de aproximar pessoas. A sua poesia caminha por uma extensa área relacionada ao amor, ao encantamento pela mulher e à desordem do mundo em que vivia (isto é tão atual). Luís de Camões derramou em toda a sua neoclássica produção poética, a concepção neoplatônica do amor, somente o amor poderia mudar o mundo, mudando as pessoas (isto, também, é tão atual).

Quase quinhentos anos depois, e ainda estamos a tentar estruturar o país, as suas cidades, vilas, aldeias… Ainda há preconceito; segregação; pobreza; crime; desrespeito aos Direitos Humanos; uma justiça que protege os que roubam milhões; etc..

A Democracia está doente. Como estava no período em que viveu Luís de Camões.

A grande conquista do ser humano seria o não-abandono do próprio ser humano. Não o conseguimos. Pude observar essa situação no diálogo com os nossos fregueses. Mas, por favor, não pensem que é só ir chegando e metendo conversa, que, imediatamente, todos começam a falar e a contar as suas necessidades. Não. É preciso ganhar a confiança de cada um, mostrar-lhes que a política não é, não pode ser, apenas um meio para se chegar a um pote de ouro no fim do arco-íris. Essas pessoas querem sinceridade, um ouvido que as ouça e palavras que acalmem as suas angústias.

Palmilhar toda a nossa freguesia, levando Luís de Camões (e outros), oferecendo ouvidos atentos e palavras de conforto, permitiu-me receber a bênção de conhecer indivíduos extraordinários. Sou muito grato por isso.

Todos os meses - durante estes quatro anos - foram de alegria e boa-disposição. Conquistei amigos para a vida.

Não lhes levei a palavra do Senhor, pois não a sei dizer. Mas levei-lhes primaveras felizes e floridas, certamente.

Quando, em junho de 2020, anunciei em assembleia do partido a que pertenço, que não estaria disponível para candidatar-me a este ou a outro organismo, fi-lo apenas com o propósito de evitar que a política - que para mim é secundária - continuasse a interferir no meu trabalho. Acredito que, através da Cultura, posso chegar a todas as pessoas de um modo mais abrangente.

Não ficarei com saudades vossas, pois, como a cidade é pequena - e estarei por aqui alguns dias em cada semana - certamente os encontrarei. No momento desse encontro, por favor, não falemos de política. Falemos das Caldas da Rainha. Falemos da sua arquitetura, da sua arte, do seu desporto. Falemos das suas praias, da linha do Oeste, do Parque D. Carlos I, da Mata Rainha D. Leonor. Falemos de vós, de nós, de todos. Falemos bem. Sem preconceitos. Sem mentiras. Sem dores. Falemos de amor. Do sufocante e legítimo amor que deveria entontecer-nos a alma todos os dias.

Inspiremo-nos em Luís de Camões. Clarão luminoso de um país que, quem sabe, um dia, chegará a ser uma gigante nação.

Experimentemos aplacar a nossa ânsia, sorvendo o licor da alegria e do amor.

Para quem fica, e para quem chega, tenho um recado: A nossa freguesia é muito grande, não estarão aqui a fazer nada se não a conhecerem muito bem, não estarão aqui a fazer nada se não conhecerem os nossos fregueses.

Devemos conduzir a nossa luta, a nossa defesa pela população, de um modo elevado e digno, mesmo que com isso algumas lideranças do nosso partido se sintam ameaçadas. Os maus sempre têm medo dos bons. Sejam bons.

*

“Extremos são de amor os que padeço,

Ó humano tesouro, ó doce glória;

E se cuido que acabo então começo.


Assim te trago sempre na memória;

Nem sei se vivo, ou morro, mas conheço,

Que ao fim da batalha é a vitória”[1]

 

A todas as pessoas que trabalham nesta, e para esta, União de Freguesias, o meu agradecimento mais sincero, por estes quatro anos de respeito mútuo e de admiração.

À população desta União de Freguesias, o meu mais sincero e caloroso abraço.

Ao senhor presidente desta Assembleia de Freguesia; ao senhor presidente desta União de Freguesias; ao Executivo; aos nobres colegas deputados: OBRIGADO!

 

Rui Calisto

Caldas da Rainha, 13 de setembro de 2021

(União de Freguesias de Caldas da Rainha - N. S. do Pópulo, Coto e São Gregório)




[1] Luís Vaz de Camões (1524-1580).

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